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segunda-feira, 29 de junho de 2009
MUCORMICOSE
Mucormicose
A mucormicose (ficomicose) é uma infecção causada por um fungo pertencente ao grande grupo de microrganismos chamados Mucorales.
A mucormicose que ocorre debaixo da pele (mucormicose subcutânea) é uma forma de infecção frequente no Sudeste da Ásia e em África. Geralmente, sara sem tratamento; contudo, pode causar tumefacções grotescas debaixo da pele do pescoço ou do peito.
A mucormicose do nariz e do cérebro (mucormicose rinocerebral) é uma infecção grave, geralmente mortal. Esta forma de mucormicose costuma afectar as pessoas cujas defesas estão debilitadas por uma doença, como a diabetes não controlada. Os sintomas incluem dor, febre e uma infecção da cavidade ocular (celulite orbitária) com uma inflamação do olho afectado (proptose). O doente elimina pus pelo nariz. A divisão entre os orifícios nasais (septo), a parte superior da boca (véu do palato) ou os ossos faciais que rodeiam a cavidade ocular ou os seios podem ficar destruídos. Uma infecção cerebral pode causar convulsões, incapacidade em falar com propriedade e paralisia parcial.
Diagnóstico e tratamento
Como os sintomas de mucormicose podem parecer-se com os de outras infecções, é possível que o médico não consiga diagnosticá-la de imediato. Colher amostras de tecidos corporais infectados para a sua cultura pode não servir de muito, dado que é difícil que o fungo cresça no laboratório. Pode estabelecer-se o diagnóstico observando os sintomas do doente e a sua situação, incluindo um estado imunológico deficiente ou uma diabetes não controlada.
Uma pessoa com mucormicose costuma ser tratada com anfotericina B administrada de forma endovenosa ou injectada directamente no líquido espinhal. O tecido infectado pode ser extirpado mediante cirurgia. Se o indivíduo também tem diabetes, os seus valores de açúcar no sangue (glicose) devem ser controlados até atingir proporções quase normais.
NOCARDIOSE
Nocardiose
A nocardiose é uma infecção causada pela bactéria Nocardia asteroides que costuma iniciar-se nos pulmões e se pode propagar para a pele e para o cérebro.
A Nocardia asteroides vive habitualmente na matéria em decomposição que se encontra na terra. As bactérias são transportadas através do ar contaminado com partículas de pó e penetram nos pulmões ao respirar. Em casos pouco frequentes, as referidas bactérias penetram no organismo ao serem engolidas ou transmitidas através da pele. Os pessoas doentes crónicos e os que recebem fármacos imunodepressores correm maior risco de a contrair.
No entanto, cerca de metade dos afectados com nocardiose, em regra idosos, não possuem outra doença preexistente. Actualmente, a nocardiose é uma complicação pouco frequente da SIDA.
Sintomas
A nocardiose costuma iniciar-se como uma infecção pulmonar. Pode propagar-se através da corrente sanguínea, provocando abcessos em muitas áreas do corpo, incluindo o cérebro e, com menos frequência, o rim. Formam-se abcessos sobre ou sob a pele, em cerca de um terço dos casos.
Na pneumonia causada por Nocardia, os sintomas mais frequentes são a tosse, uma debilidade geral, calafrios, dor no peito, falta de ar, febre, perda do apetite e de peso. Pode acumular-se líquido no espaço pleural (localizado entre as membranas que revestem os pulmões). Estes sintomas são semelhantes aos da tuberculose e outros tipos de pneumonia bacteriana.
Cerca de um terço dos afectados com nocardiose desenvolvem abcessos cerebrais e sofrem intensas dores de cabeça e sensações de fraqueza. A parte do corpo que se debilita depende da zona do cérebro onde se localiza o abcesso.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de nocardiose baseia-se na identificação da Nocardia asteroides em amostras de fluido corporal ou de tecido colhidas de uma pessoa infectada.
Com ou sem tratamento, a nocardiose pode ser mortal. O prognóstico é melhor se a infecção se localizar apenas nos pulmões e não se tiver espalhado para outras partes do corpo, por exemplo para o cérebro. É, por outro lado, pior para os doentes que recebem terapêutica imunossupressora.
A penicilina é eficaz aproximadamente em apenas 40 % dos casos. A sulfadiazina pode ser eficaz, mas deve ser tomada durante vários meses. Para alguns doentes só a amicacina é benéfica.
CORIOMENINGITE LINFOCITARIA
Coriomeningite linfocitária
A coriomeningite linfocitária é uma doença causada por um arenavírus que, em geral, causa uma perturbação semelhante à gripe.
O arenavírus está presente nos roedores, especialmente no rato —doméstico— cinzento e no hamster. Estes costumam estar infectados pelo vírus ao longo da vida e excretam-no na urina, nas fezes, no sémen e nas secreções nasais. A exposição ao pó e aos alimentos contaminados é habitualmente responsável pela infecção dos seres humanos. A doença geralmente ocorre no Inverno, quando os roedores selvagens procuram abrigo debaixo de tecto.
Sintomas
Uma doença semelhante à gripe desenvolve-se de uma a três semanas depois da infecção. Geralmente nos casos que manifestam sintomas, verifica-se febre de 38,3ºC a 40ºC, que pode incluir tremores (arrepios). Outros sintomas compreendem sensação de mal-estar, náuseas, atordoamento, debilidade e dores musculares. As queixas concentram-se atrás dos olhos e pioram com a luz intensa. Também pode verificar-se dor de garganta e das articulações, vómitos e falta de apetite. A doença pode incluir inflamação das articulações dos dedos e dos testículos. Pode ocorrer alopecia (queda de cabelo).
Com frequência a doença apresenta-se em duas fases. A inflamação da membrana que reveste o cérebro (meningite) desenvolve-se de uma a duas semanas depois dos sintomas análogos a uma gripe. As pessoas com meningite têm dor de cabeça e rigidez da nuca. Em geral recuperam por completo. Em certos casos, desenvolve-se uma inflamação do tecido cerebral (encefalite), com cefaleia e sonolência. Pode existir, em escassas situações, uma lesão neurológica residual.
Diagnóstico e tratamento
Durante a primeira semana de doença, a sintomatologia parece-se com a da gripe ou uma infecção viral similar, pelo que não é costume fazerem-se exames. Se se fizerem, uma radiografia do tórax pode mostrar certa inflamação pulmonar e as análises de sangue revelarem valores baixos de glóbulos brancos e de plaquetas. Se os sintomas sugerirem meningite, faz-se uma punção lombar para extrair uma amostra do líquido que rodeia o cérebro e a espinal medula (líquido cefalorraquidiano). Se o doente tiver coriomeningite linfocitária, aquele líquido contém habitualmente muitos glóbulos brancos, principalmente linfócitos. A doença diagnostica-se identificando o vírus neste líquido ou então detectando valores cada vez maiores de anticorpos contra esse mesmo vírus. Não existe nenhum tratamento específico. Tentar-se-á aliviar os sintomas até que a infecção regrida.
PARAPARESIA ESPASTICA TROPICAL
Paraparésia espástica tropical
A paraparésia espástica tropical é uma infecção viral, lentamente progressiva, da espinhal medula que causa debilidade nas pernas.
A infecção é causada pelo tipo I do vírus da leucemia de células T humana (HTLV-I). Este, um retrovírus, também pode causar um tipo de leucemia. A paraparésia espástica tropical pode transmitir-se por contacto sexual ou então pelo uso de agulhas contaminadas; também pode ocorrer de mãe para filho através da placenta ou pelo leite materno.
Os sintomas podem começar anos depois da infecção inicial. Na sua resposta à infecção pelo HTLV-I, o sistema imunitário lesa ocasionalmente o tecido nervoso, causando os sintomas. A debilidade e a rigidez muscular em ambas as pernas começa gradualmente e piora lentamente. É provável a perda parcial da sensibilidade nos pés.
Apesar de não existir cura para este processo, as pessoas tratadas com corticosteróides, que podem inibir a resposta imune, experimentam uma melhoria considerável. A plasmaférese também tem produzido melhorias temporárias.
Leucoencefalopatia multifocal progressiva
Leucoencefalopatia multifocal progressiva
A leucoencefalopatia multifocal progressiva é uma rara manifestação de infecção cerebral por poliomavírus, que costuma progredir rapidamente uma vez desencadeada a sintomatologia.
A doença afecta o cérebro e a espinhal medula e é causada pelo vírus JC, que é um poliomavírus. Tornou-se muito frequente nas pessoas com deficiência na função (imunológica) dos linfócitos T, como, por exemplo, nos que sofrem de leucemia, linfoma ou SIDA. Os homens são afectados com mais frequência do que as mulheres.
Sintomas e diagnóstico
Muitos dos infectados pelo vírus JC não apresentam aparentemente sintomas. Da mesma forma que sucede com o herpesvírus, o JC parece permanecer latente até que algo (como um sistema imunitário deficiente) provoque a sua reactivação. Como consequência, a leucoencefalopatia multifocal progressiva costuma aparecer só anos depois da infecção inicial.
A sintomatologia inicia-se habitualmente de forma súbita, progredindo de forma gradual. Depois de aparecerem os sintomas, em geral agravam-se rapidamente e variam, dependendo da parte infectada do cérebro. É frequente a paralisia que afecta metade do corpo. Só em casos raros se verificam dores de cabeça e convulsões. Aproximadamente em duas de cada três pessoas surge uma perda progressiva da capacidade intelectual (demência). Também é crescente a dificuldade em falar, assim como a cegueira parcial. É muito frequente a pessoa morrer entre um e seis meses depois do início dos sintomas, mas alguns infectados sobreviveram a este período de tempo.
O médico baseia o seu diagnóstico na pioria progressiva do paciente. As técnicas não invasivas, como a tomografia axial computadorizada (TAC) e a ressonância magnética (RM), podem ajudar a estabelecer o diagnóstico. Contudo, o diagnóstico definitivo não se pode estabelecer até depois do falecimento do doente, pois só então se pode examinar o tecido cerebral.
Tratamento
Nenhum tratamento se revelou eficaz na leucoencefalopatia multifocal progressiva. Nas pessoas que sobreviveram, os investigadores suspeitam que certas funções do seu sistema imunológico possam ter sido responsáveis por deter a infecção ou a destruição do tecido cerebral.
TROMBOCITEMIA
Trombocitemia
A trombocitemia é uma perturbação na qual se produz um excesso de plaquetas, originando uma coagulação anormal.
As plaquetas, também chamadas trombócitos, normalmente são produzidas na medula óssea por umas células chamadas megacariócitos. Na trombocitemia, os megacariócitos tornam-se anormais e produzem demasiadas plaquetas.
Esta perturbação afecta habitualmente as pessoas com mais de 50 anos. Quando a causa é desconhecida, chama-se trombocitemia primária, e secundária quando a sua causa é outra doença, como uma hemorragia, a extracção do baço, as infecções, a artrite reumatóide, certos cancros ou a sarcoidose.
Sintomas
O excesso de plaquetas, essenciais para a coagulação do sangue, pode fazer com que se formem coágulos espontaneamente, obstruindo o fluxo de sangue nos vasos.
Os sintomas são comichão e outras sensações anormais nas mãos e pés, frio nas polpas dos dedos, dores de cabeça, fraqueza e vertigem. A perda de sangue, em geral ligeira, costuma consistir em hemorragias nasais, facilidade para os hematomas, problemas de gengivas ou hemorragias gastrointestinais. O baço e o fígado podem aumentar de tamanho.
Diagnóstico
Os sintomas fazem pensar no diagnóstico de trombocitemia e as análises de sangue confirmam-no. A contagem de plaquetas é superior a 500 000 por microlitro de sangue (quase o dobro do normal) e muitas vezes ultrapassa 1 000 000 por microlitro. Na análise ao microscópio, a amostra de sangue apresenta plaquetas anormalmente grandes, grupos de plaquetas anormais e fragmentos de megacariócitos.
Para distinguir entre a trombocitemia primária e a secundária, o médico procura sinais de outras doenças que poderiam aumentar a quantidade de plaquetas. Por vezes uma biopsia da medula óssea (extracção de uma amostra para ser analisada ao microscópio) pode ser útil.
Tratamento
Se outra doença for responsável pelo aumento de plaquetas (trombocitemia secundária), o tratamento deve ser dirigido para essa doença. Se este for eficaz, a quantidade de plaquetas costuma voltar ao normal.
Se não se detecta uma causa que justifique o aumento de plaquetas (trombocitemia primária), prescreve-se um medicamento que diminua a produção de plaquetas. Habitualmente, o tratamento começa quando os valores das plaquetas ultrapassam mesmo as 750 000 por microlitro de sangue ou quando se apresentam hemorragias ou perturbações da coagulação. Continua-se com o medicamento até que a quantidade de plaquetas seja inferior a 600 000 por microlitro. Em geral, utiliza-se a hidroxiureia, um medicamento antineoplásico, apesar de ocasionalmente se poder administrar um anticoagulante. Como a hidroxiureia também pode atrasar a produção de glóbulos brancos e vermelhos, devem-se regular as doses para manter valores adequados destas células. A aspirina em doses reduzidas, que faz com que as plaquetas adiram menos e se evite a formação do coágulo, pode atrasar a necessidade destes medicamentos.
Se o tratamento com medicamentos não atrasa a produção de plaquetas a tempo, deverá recorrer-se à plaquetaférese. Por meio deste procedimento, extrai-se sangue, separam-se as plaquetas e devolve-se ao indivíduo o sangue sem as plaquetas. Este procedimento habitualmente combina-se com o uso de medicamentos.
MIELOFIBROSE
Mielofibrose
A mielofibrose é uma perturbação na qual o tecido fibroso pode substituir as células precursoras que produzem células sanguíneas normais na medula óssea, originando glóbulos vermelhos com formas anormais, anemia e aumento do tamanho do baço.
Na medula óssea, os fibroblastos produzem tecido fibroso (conectivo), que forma uma espécie de entrançado que suporta as células produtoras de sangue. Na mielofibrose, uma célula anormal precursora estimula os fibroblastos e estes produzem demasiado tecido fibroso, que abafa as células produtoras de sangue. Além da menor produção de glóbulos vermelhos, só uma pequena quantidade deles passa para a circulação sanguínea e, por conseguinte, produz-se anemia. Muitos destes glóbulos vermelhos são imaturos ou têm forma irregular. Os glóbulos brancos e as plaquetas também adoptam uma forma irregular e a sua quantidade pode ser excessiva ou então reduzida.
No fim do processo, o tecido fibroso substitui uma parte tão grande da medula óssea que a produção de todas as células sanguíneas se reduz. Quando isto acontece, a anemia agrava-se, o reduzido número de glóbulos brancos não é capaz de combater as infecções e as poucas plaquetas não conseguem evitar as hemorragias.
O corpo produz células sanguíneas fora da medula óssea, principalmente no fígado e no baço, que tendem a hipertrofiar-se; esta doença é conhecida com o nome de metaplasia mielóide agnogénica.
A mielofibrose por vezes acompanha a leucemia, a policitemia vera, o mieloma múltiplo, o linfoma, a tuberculose ou as infecções ósseas, mas ainda se desconhece a sua causa. As pessoas que foram expostas a certas substâncias tóxicas, como o benzeno e a irradiação, são mais propensas a sofrer de mielofibrose. É mais frequente em pessoas de 50 a 70 anos. Como esta perturbação se desenvolve de forma lenta, as pessoas que dela sofrem em geral vivem 10 anos ou mais. Por vezes, esta perturbação pode avançar rapidamente —é a chamada mielofibrose maligna ou mielofibrose aguda e é um tipo de leucemia.
Sintomas e diagnóstico
Frequentemente, a mielofibrose não produz sintomas durante anos. No fim, a anemia causa fraqueza e cansaço; os doentes não se sentem bem e perdem peso. O baço e o fígado grandes podem causar dor abdominal.
Os glóbulos vermelhos deformados, imaturos, que se observam nas amostras de sangue analisadas ao microscópio, e também a anemia sugerem a presença de mielofibrose, mas exige-se uma biopsia da medula óssea (extracção de uma amostra para a sua observação ao microscópio) para obter a confirmação do diagnóstico.
Tratamento
Actualmente nenhum tratamento é capaz de inverter ou atrasar de forma permanente a progressão desta perturbação, embora os medicamentos antineoplásicos, como a hidroxiureia, diminuam o tamanho do fígado e do baço.
O objectivo do tratamento é atrasar o aparecimento das complicações. O transplante de medula óssea oferece certas esperanças em casos especiais. Em algumas pessoas, a produção de glóbulos vermelhos pode ser estimulada com eritropoietina, mas noutras são necessárias transfusões de sangue para tratar a anemia. Raramente, o baço aumenta extraordinariamente de tamanho e causa muita dor, pelo que pode ser preciso extraí-lo. As infecções tratam-se com antibióticos.
CARCINOIDE
Carcinóide
O carcinóide é um cancro, em geral formado no tracto gastrointestinal, que segrega quantidades excessivas de vários tipos de neuropéptidos e aminas, com efeitos semelhantes às hormonas. Se o carcinóide se propaga ao fígado, causa rubor, pele azulada, dores abdominais, diarreia, lesões cardíacas e outros sintomas, que constituem a síndroma carcinóide.
Os tumores carcinóides produzem um excesso de neuropéptidos e aminas como bradicinina, serotonina, histamina e prostaglandina. Em geral, estas substâncias controlam as funções internas do corpo; contudo, em quantidades superiores ao normal provocam os sintomas da síndroma carcinóide.
Os tumores carcinóides originam-se nas células produtoras de hormonas que revestem o intestino delgado (células enteroendócrinas) ou noutras células do tracto gastrointestinal, do pâncreas, dos testículos, dos ovários ou dos pulmões. Desconhece-se a causa da formação destes tumores. Em raras ocasiões, outras formas de cancro, como o carcinoma pulmonar de células em grão de aveia (células pequenas), o carcinoma de células dos ilhéus do pâncreas e o carcinoma medular da tiróide, também segregam substâncias que causam a síndroma carcinóide.
Quando estes tumores se formam no tracto gastrointestinal, as substâncias semelhantes às hormonas são libertadas na circulação sanguínea e correm directamente para o fígado, onde os enzimas as destroem. Os tumores que se propagaram ao fígado (metastáticos) libertam as suas substâncias na circulação sanguínea sem um processamento prévio por parte do fígado.
Por conseguinte, os carcinóides do tracto gastrointestinal não produzem em geral sintomas, a menos que se tenham propagado ao fígado. Neste caso, as substâncias semelhantes às hormonas circulam através do organismo e causam sintomas da síndroma carcinóide que variam conforme as substâncias segregadas. Os carcinóides nos pulmões e nos ovários também causam sintomas porque as substâncias que produzem evitam passar pelo fígado e circulam por toda a corrente sanguínea.
Sintomas
Menos de 10 % das pessoas com tumores carcinóides desenvolvem a síndroma carcinóide. A maioria tem sintomas semelhantes aos de outras formas de cancro intestinal, sobretudo dor tipo cólica e alterações nos movimentos do intestino em resultado da obstrução.
O sintoma mais frequente da síndroma carcinóide e com frequência o primeiro a manifestar-se é um rubor com sensação desagradável, habitualmente na cabeça e no pescoço, talvez por excesso de histamina e bradicinina, que dilatam os vasos sanguíneos. O rubor é desencadeado com frequência por emoções, pelo comer ou por se beber álcool ou líquidos quentes. A pele pode mudar de cor de maneira espectacular, de pálida a vermelha e desta a azul (cianose). O excesso de serotonina contrai os músculos que rodeiam os intestinos e, por conseguinte, causa diarreia, dores tipo cólica e má absorção dos alimentos. A má absorção conduz à desnutrição e produz em alguns casos fezes gordas e com um odor muito desagradável.
A síndroma carcinóide pode lesar o coração e os pulmões. É frequente o desenvolvimento de uma substância fibrosa anómala no coração (fibrose endocárdica) que lesa as válvulas cardíacas e deteriora a capacidade cardíaca de bombeamento. Como a serotonina transportada na circulação sanguínea é destruída quando atravessa os pulmões (antes de alcançar o lado esquerdo do coração), quase todos os problemas cardíacos se localizam no lado direito. Não se sabe se a serotonina é a única substância envolvida nem como o organismo produz o material fibroso. Alguns doentes com síndroma carcinóide desenvolvem asma com sibilos; outros perdem interesse pelo sexo e tornam-se impotentes.
Diagnóstico
Os tumores carcinóides são diagnosticados por meio de radiografia, tomografias axiais computadorizadas (TAC), ressonância magnética (RM), estudos endoscópicos e análises químicas à urina.
Quando existem fundadas suspeitas de um tumor carcinóide, confirma-se o diagnóstico medindo a quantidade de ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), um dos metabolitos (subprodutos químicos) da serotonina, na urina de 24 horas. No mínimo, durante os 3 dias anteriores a este exame, o doente deve abster-se de ingerir alimentos ricos em serotonina (banana, tomate, ameixa, abacate, ananás, beringela e noz). Alguns medicamentos, como a guafenesina (presente em muitos xaropes para a tosse), o metocarbamol (um relaxante muscular) e as fenotiazinas (tranquilizantes) também interferem com os resultados do exame.
Para facilitar o diagnóstico, o médico por vezes fornece medicamentos como gluconato de cálcio, catecolaminas, pentagastrina ou álcool para provocar o rubor. Contudo, dado que estas provas de provocação causam mal-estar e até sintomas graves, só se efectuam sob uma atenta observação num hospital. Uma TAC ou uma RM determinarão se o tumor se estendeu ao fígado. Podem ser necessários exames mais completos e por vezes cirurgia exploratória do abdómen para localizar o tumor (ou os tumores) e determinar a extensão do seu crescimento.
A arteriografia diagnóstica e a gamagrafia com isótopos radioactivos são técnicas novas úteis tanto para detectar um tumor carcinóide como para determinar a sua extensão. Uma descoberta recente demonstra que a maioria dos carcinóides tem receptores para a hormona somatostatina. Assim, injectando uma forma radioactiva de somatostatina no sangue, é possível detectar os carcinóides e as metástases mediante uma gamagrafia. Cerca de 90 % dos tumores localizam-se com esta técnica.
Tratamento
Quando o tumor carcinóide se limita a uma área específica, como os pulmões, o apêndice, o intestino delgado ou o recto, a extracção cirúrgica é um tratamento eficaz. Se o tumor se estendeu ao fígado, como pode acontecer quando o tumor tem origem fora dos pulmões, a cirurgia raramente é curativa, mas facilita o diagnóstico e alivia os sintomas.
Nem a radioterapia nem a quimioterapia são eficazes para curar os tumores carcinóides. Contudo, as combinações de alguns medicamentos quimioterápicos (estreptozocina com fluorouracilo e, por vezes, doxorrubicina) aliviarão os sintomas. Um medicamento chamado octreótido também alivia os sintomas, e o tamoxifeno, o interferão alfa e a eflornitina reduzem o desenvolvimento do tumor. As fenotiazinas, a cimetidina e a fentolamina empregam-se para controlar a perturbação. A prednisona é administrada por vezes às pessoas com tumores carcinóides do pulmão que têm episódios graves de rubor. A diarreia controla-se com codeína, tintura de ópio, difenoxilato, cipro-heptadina ou a metisergida. Por fim, a hipertensão trata-se com vários medicamentos anti-hipertensivos, como a metildopa e a fenoxibenzamina.
Só os tumores carcinóides que não forem metastáticos levarão à cura depois de extirpados cirurgicamente. Contudo, é um facto bem estabelecido que os tumores crescem tão lentamente que mesmo as pessoas que têm metástases sobrevivem com frequência durante 10 a 15 anos.
Síndromas de deficiência poliglandular
Síndromas de deficiência poliglandular
As síndromas de deficiência poliglandular são perturbações em que várias glândulas endócrinas são hipoactivas, produzindo, por isso, uma quantidade insuficiente de hormonas.
Existe provavelmente uma predisposição genética para a síndroma de deficiência poliglandular. Com frequência, a actividade de uma glândula endócrina inibe-se por efeito de uma reacção auto- -imune (Ver secção 16, capítulo 167) que causa inflamação e destrói toda a glândula ou parte dela.
Contudo, a actividade também pode ter-se suprimido devido a uma infecção, um fornecimento de sangue inadequado à glândula ou um tumor. Em geral, quando se provoca uma lesão numa glândula, outras também são afectadas, fazendo com que muitas glândulas diminuam ou interrompam o seu funcionamento (insuficiência glandular endócrina múltipla).
Sintomas
Os sintomas dependem de quais sejam as glândulas endócrinas deterioradas. Por exemplo, o hipotiroidismo surge quando uma glândula tiróide hipofuncionante segrega quantidades insuficientes de hormonas tiróideas. (Ver secção 13, capítulo 145)
Em contrapartida, a doença de Addison é o resultado de quantidades insuficientes de hormonas corticosteróides devido ao funcionamento deficiente das glândulas supra-renais. (Ver secção 13, capítulo 146)
As síndromas de deficiência poliglandular classificam-se em três tipos, consoante os sintomas se desenvolvam nas crianças ou nos adultos e conforme as glândulas endócrinas afectadas.
A síndroma de deficiência poliglandular tipo I geralmente desenvolve-se na infância. O traço mais característico é uma diminuição da actividade das glândulas paratiróides (hipoparatiroidismo); o segundo é a hipofunção das glândulas supra-renais (doença de Addison) e as infecções crónicas por fungos (candidíase mucocutânea crónica).
Estas infecções provavelmente são devidas a uma resposta imunitária inadequada às leveduras comuns, o que impede combater a infecção. Em raras ocasiões, pode haver uma produção baixa de insulina por parte do pâncreas que causa diabetes. Por outro lado, é frequente que apareçam hepatites, cálculos biliares, dificuldade na absorção dos alimentos e calvície prematura.
A síndroma de deficiência poliglandular tipo II apresenta-se, em geral, nos adultos por volta dos 30 anos. As glândulas supra-renais são sempre de baixa actividade e, muitas vezes, a glândula tiróide também é. Contudo, algumas pessoas desenvolvem uma hiperactividade da glândula tiróide (hipertiroidismo). A insuficiência pancreática pode dar lugar a uma falta de insulina e, por este motivo, aparece a diabetes. Nem o hipoparatiroidismo nem as infecções por fungos fazem parte da síndroma tipo II.
A síndroma de deficiência poliglandular tipo III ocorre nos adultos e pode considerar-se como uma etapa preliminar da síndroma tipo II. As pessoas que têm, no mínimo, dois dos seguintes sintomas incluem-se na categoria da síndroma tipo III.
A saber: um défice tiróideo, diabetes, anemia perniciosa, perda da pigmentação da pele (vitiligo) e perda do cabelo (alopecia). Mas se, além disso, existe uma insuficiência das glândulas supra-renais, a síndroma transforma-se em tipo II.
Diagnóstico
As análises de sangue são utilizadas para medir a produção hormonal por parte das glândulas afectadas. Dado que uma glândula endócrina pode ser bastante menos activa do que as outras, é possível que não se constate a perturbação das outras glândulas até se manifestarem os sintomas, derivados do défice destas. Quando, por meio de outros exames adicionais se comprova uma insuficiência que afecta várias glândulas, confirma-se o diagnóstico de síndroma de deficiência poliglandular.
Tratamento
Embora as síndromas de deficiência poliglandular não tenham cura, pode prescrever-se uma terapia hormonal substitutiva. A hormona tiróidea pode ser administrada a uma pessoa com insuficiência da glândula tiróide. Em caso de insuficiência supra-renal, podem administrar-se corticosteróides, e insulina no caso da diabetes. Mas o tratamento substitutivo não pode corrigir a infertilidade nem outros problemas causados pela hipofunção das glândulas sexuais (gónadas).
DIABETES INSIPIDA
Diabetes insípida
A diabetes insípida é uma perturbação em que os valores insuficientes de hormona antidiurética causam uma sede excessiva (polidipsia) e uma produção exagerada de urina muito diluída (poliúria).
A diabetes insípida é o resultado de um défice da hormona antidiurética (vasopressina), que está encarregada de limitar a produção excessiva de urina. O singular desta hormona é que o hipotálamo produ-la e depois é armazenada até ser libertada na circulação sanguínea pela hipófise posterior. A perturbação também pode aparecer quando uma concentração de hormona antidiurética normal está combinada com uma resposta anormal dos rins à hormona, uma afecção denominada diabetes insípida nefrogénica. (Ver secção 11, capítulo 126)
Causas
A diabetes insípida pode ser consequência de um mau funcionamento do hipotálamo que dá como resultado uma escassa produção de hormona antidiurética. Outras possibilidades são: a incapacidade de a hipófise libertar a hormona na circulação sanguínea, lesões produzidas durante uma intervenção cirúrgica do hipotálamo ou da hipófise, uma lesão cerebral (particularmente uma fractura da base do crânio), um tumor, a sarcoidose ou a tuberculose, um aneurisma ou uma obstrução das artérias que vão para o cérebro, certas formas de encefalite ou meningite e uma doença rara denominada histiocitose X (doença de Hand-Schüller-Christian).
Em alguns casos excepcionais, um doente tem sintomas psicológicos de sede exagerada, pelo que consome um grande volume de líquidos e apresenta uma emissão excessiva de urina. Estes sintomas assemelham-se aos da diabetes insípida, com a excepção de que o indivíduo, em geral, não acorda à noite para urinar. À medida que o tempo passa, o consumo exagerado de líquidos diminui a sensibilidade à hormona antidiurética.
Sintomas
A diabetes insípida pode começar de forma gradual ou brusca a qualquer idade. Habitualmente, os únicos sintomas são a sede exagerada e a excessiva produção de urina. Um doente pode beber enormes quantidades de líquido (de 4 l a 40 l por dia) para compensar as perdas que se verificam pela urina. Quando esta compensação não é possível, pode verificar-se rapidamente a desidratação e, por conseguinte, a diminuição da pressão arterial e o choque. A pessoa afectada continua a urinar grandes quantidades e com frequência durante a noite.
Diagnóstico
Os médicos suspeitam da existência de diabetes insípida nos doentes que eliminam grandes quantidades de urina. Em primeiro lugar, controlam a quantidade de açúcar na urina para afastar que se trate de um caso de diabetes mellitus. Uma análise ao sangue mostrará concentrações anómalas de muitos electrólitos.
A prova de restrição de água é a mais simples e a mais fiável para determinar a existência de diabetes insípida. Dado que não é permitido ao doente beber líquidos durante a prova e que poderá produzir-se uma desidratação grave, a prova deve efectuar-se sob vigilância médica. A produção de urina, as concentrações electrolíticas (sódio) no sangue e o peso são medidos regularmente durante várias horas. Logo que a pressão arterial se reduza, ou a frequência cardíaca aumente, ou se perca mais de 5 % do peso corporal, interrompe-se a prova e dá-se uma injecção de hormona antidiurética. O diagnóstico de diabetes insípida é confirmado se, em resposta à hormona antidiurética, a micção se detiver, a pressão arterial aumentar e o coração bater de forma mais normal.
Tratamento
Sempre que for possível, deve ser tratada a causa subjacente da diabetes insípida. Administrar-se-á vasopressina ou acetato de desmopressina, formas modificadas da hormona antidiurética, com um vaporizador nasal várias vezes por dia, para manter uma produção normal de urina. Contudo, a administração excessiva destes medicamentos provoca retenção de líquidos, edemas e outras perturbações. Os doentes com diabetes insípida que sejam submetidos a uma intervenção cirúrgica ou que estejam inconscientes são geralmente injectados com hormona antidiurética.
Por vezes, a diabetes insípida pode ser controlada com medicamentos que estimulem a produção de hormona antidiurética, tais como a clorpropamida, a carbamazepina, o clofibrato e vários diuréticos (tiazidas). Estes medicamentos não são adequados para aliviar completamente os sintomas em pacientes com diabetes insípida grave.
GALACTORREIA
Galactorreia
A galactorreia define-se como a produção de leite pelas mamas nas mulheres que não estão em período de lactação ou nos homens.
Em ambos os sexos, a causa mais frequente de galactorreia é um tumor na hipófise que produz prolactina (prolactinoma). Em geral, os prolactinomas são muito pequenos quando se diagnosticam pela primeira vez. Por outro lado, tendem a aumentar de tamanho mais nos homens do que nas mulheres. Os medicamentos, tais como as fenotiazinas, alguns dos fornecidos para tratar a hipertensão (sobretudo a metildopa) e os narcóticos, aumentam a produção de prolactina e, por conseguinte, causam galactorreia. O hipotiroidismo (diminuição da função da tiróide) também pode provocar esta perturbação.
Sintomas
Apesar de a produção de leite pelas glândulas mamárias poder ser o único sintoma de um prolactinoma, muitas mulheres deixam de ser menstruadas ou começam a ter períodos menstruais anómalos. As mulheres com prolactinomas começam a sofrer ondas de calor e secura vaginal, o que causa incómodos durante uma relação sexual. Os homens tipicamente sofrem dores de cabeça ou perdem a visão periférica. Cerca de dois terços dos homens perdem o interesse pelo sexo e tornam-se impotentes.
Diagnóstico
Para determinar a causa de uma produção anómala de leite, utiliza-se uma combinação de análises de sangue e tomografia axial computadorizada (TAC) ou ressonância magnética (RM). Os sinais da deficiência de estrogénios são óbvios num exame físico, enquanto os valores da prolactina e outras hormonas, como a luteinizante e a foliculoestimulante, exigem uma análise de sangue. Os exames com TAC ou RM podem revelar pequenos prolactinomas e, se o tumor for grande, o oftalmologista efectua exames dos campos para detectar defeitos da visão.
Tratamento
Os prolactinomas são tratados por meio de diversas técnicas. Quando a concentração de prolactina no sangue de um paciente é muito alta e o exame com TAC ou RM detecta apenas um pequeno tumor hipofisário ou absolutamente nada, o médico pode prescrever a administração de bromocriptina ou inclusive não recomendar qualquer tratamento. Nas mulheres, a bromocriptina tem a vantagem de aumentar os valores de estrogénios (muitas vezes baixos naquelas que apresentam valores elevados de prolactina), o que as protege de desenvolver uma possível osteoporose. A bromocriptina deve ser recomendada às pacientes com prolactinomas que pretendam ficar grávidas, além de que também contribui para interromper o fluxo de leite. Prescrever-se-ão estrogénios ou contraceptivos orais que contenham estrogénios às mulheres com pequenos prolactinomas, já que não existem provas de que os estrogénios provoquem uma aceleração anormal do crescimento dos tumores pequenos. A maior parte dos especialistas recomenda um exame anual com TAC ou RM, no mínimo durante 2 anos, para assegurar que o tumor não cresça demasiado.
Os médicos tratam em geral com bromocriptina ou cirurgia os doentes que apresentam tumores grandes (macroadenomas), depois de terem efectuado um estudo do sistema endócrino. O tratamento é coordenado com um endocrinologista, um neurocirurgião e um radioterapeuta. Se a bromocriptina faz diminuir a concentração de prolactina e os sintomas desaparecem, a cirurgia é, com frequência, desnecessária. Mesmo quando se recorre à cirurgia, a administração de bromocriptina pode reduzir o tumor antes da operação. Apesar de a intervenção cirúrgica inicialmente normalizar a concentração de prolactina no sangue, a maior parte dos prolactinomas reaparece. A radioterapia só se utiliza quando os sintomas se agravam e o tumor cresce apesar do tratamento com bromocriptina. As concentrações de outras hormonas da hipófise podem diminuir durante vários anos depois de se aplicar a radioterapia.
SINDROME DA SELA TURCA VAZIA
Síndroma da sela-turca vazia
Na síndroma da sela-turca vazia, a sela-turca (uma estrutura óssea sob o cérebro), caracteristicamente dilatada, abriga a hipófise, de tamanho normal ou mais pequena.
A síndroma da sela-turca vazia tem mais incidência nas mulheres com peso a mais ou com uma pressão arterial elevada. Cerca de 10 % dos doentes que sofrem desta síndroma têm um aumento de pressão do líquido no interior do crânio e aproximadamente 10 % apresentam, de maneira crónica, uma saída de líquido pelo nariz. Em alguns casos, o doente tem um tumor hipofisário pequeno, quase sempre benigno, que segrega hormona do crescimento, prolactina ou adrenocorticotropina. Uma radiografia simples do crânio, uma tomografia axial computadorizada (TAC) ou as imagens geradas por ressonância magnética (RM) podem revelar a dilatação da sela-turca.
Em geral, não é necessário um tratamento para esta síndroma. Contudo, uma sela-turca dilatada também pode indicar um aumento de volume da hipófise. Uma TAC ou uma RM podem ser úteis para distinguir a síndroma da sela-turca vazia de outras causas de dilatação da mesma. Por exemplo, um tumor maligno ou benigno (adenoma) pode aumentar a hipófise, afectando a dita glândula ou o hipotálamo. O aumento de volume da hipófise pode produzir sintomas, como dores de cabeça, e visto que a glândula faz pressão sobre o nervo óptico pode-se também verificar uma perda da visão. Inicialmente só é afectada a parte externa dos campos visuais de ambos os olhos.
AMILOIDOSE
Amiloidose
A amiloidose é uma doença em que a amilóide, uma proteína rara que normalmente não está presente no corpo, se acumula em vários tecidos.
Existem muitas formas de amiloidose. Na amiloidose primária, a causa é desconhecida. Contudo, a doença associa-se com alterações das células plasmáticas, como o mieloma múltiplo. A amiloidose secundária chama-se assim porque é secundária a outra doença, como a tuberculose, as infecções do osso, a artrite reumatóide, a febre mediterrânica familiar ou a ileíte granulomatosa. Uma terceira forma, a amiloidose hereditária, afecta os nervos e certos órgãos; foi detectada em pessoas provenientes de Portugal, Suécia, Japão e muitos outros países.
Outra forma de amiloidose está associada com o envelhecimento normal e afecta especialmente o coração. Não se conhece qual é a causa que provoca a formação excessiva de amilóide. Contudo, a amiloidose pode ser uma resposta a várias doenças que causam uma infecção persistente ou uma inflamação. Outra forma de amiloidoise está associada com a doença de Alzheimer.
Sintomas
A acumulação de grandes quantidades de amilóide pode alterar o funcionamento normal de muitos órgãos. Os sintomas de amiloidoise dependem do lugar onde se forma a amilóide. Muitas pessoas têm poucos sintomas, enquanto outras desenvolvem uma doença grave e mortal.
Na amiloidose primária, os lugares típicos de acumulação de amilóide são o coração, os pulmões, a pele, a língua, a glândula tiróide, os intestinos, o fígado, o rim e os vasos sanguíneos. Esta acumulação pode conduzir a insuficiência cardíaca, batimentos cardíacos irregulares, dificuldade na respiração, língua grossa, glândula tiróide hipoactiva, fraca absorção dos alimentos, insuficiência hepática, insuficiência renal e facilidade para produção de hematomas ou de hemorragias anormais devido aos seus efeitos na coagulação. Pode-se produzir uma alteração do funcionamento nervoso, o que provoca fraqueza e perturbação da sensibilidade. Pode-se desenvolver a síndroma do túnel carpático. Quando a amilóide afecta o coração, pode-se produzir a morte em resultado de uma grave insuficiência cardíaca ou de uma arritmia.
Na amiloidose secundária, a amilóide tende a formar-se no baço, no fígado, nos rins, nas glândulas supra-renais e nos gânglios linfáticos. O baço e o fígado tendem a dilatar-se e a ter uma consistência aumentada e gomosa. Podem ver-se afectados outros órgãos e os vasos sanguíneos, embora raramente se veja comprometido o coração.
Diagnóstico
A amiloidose é por vezes difícil de reconhecer porque produz problemas diferentes. Contudo, os médicos podem suspeitar de amiloidose quando falham vários órgãos ou quando uma pessoa sangra facilmente sem razão aparente. Suspeita-se da forma hereditária quando se descobre numa família uma perturbação dos nervos periféricos de transmissão hereditária. Geralmente consegue-se um diagnóstico mediante a análise de uma pequena quantidade de gordura abdominal obtida através de uma agulha que se insere perto do umbigo. Em alternativa, pode-se obter uma amostra de tecido para realizar uma biopsia da pele, do recto, das gengivas, do rim ou do fígado. A substância amilóide evidencia-se ao microscópio com o uso de corantes especiais.
Amiloidose primária Órgãos afectados
Tratamento
A amiloidose nem sempre exige tratamento. Quando é causada por outra doença, o tratamento desta em geral atrasa ou faz regredir a amiloidose. Contudo, a amiloidose causada por mieloma múltiplo tem um prognóstico nefasto; a maior parte das pessoas que sofrem de ambas as doenças morrem no prazo de um ou dois anos. O tratamento da amiloidose não tem sido muito eficaz. As pessoas podem melhorar tomando prednisona e melfalan, por vezes juntamente com colchicina. A colchicina sozinha pode ajudar a aliviar a amiloidose desencadeada pela febre familiar mediterrânica. As acumulações de amilóide (tumores amilóides) numa zona específica do corpo, em certas ocasiões, podem ser extraídas cirurgicamente. Uma pessoa cujos rins foram destruídos pela amiloidose pode submeter-se a um transplante de rim. Em caso de problemas cardíacos, o paciente pode submeter-se a um transplante de coração. Contudo, os órgãos transplantados podem posteriormente ser afectados pela acumulação de substância amilóide. Na forma hereditária, o defeito que produz a substância amilóide manifesta-se no fígado; na sequência, em algumas pessoas o transplante hepático foi eficaz e interrompeu a progressão da doença.
Amiloidose secundáriaÓrgãos afectados
PROTOPORFIRIA ERITROPOIÉTICA
Protoporfiria eritropoiética
A protoporfiria eritropoiética, em que se forma protoporfirina na medula óssea, glóbulos vermelhos e plasma sanguíneo, provoca fotossensibilidade da pele.
Nesta porfiria hereditária existe deficiência do enzima ferroquelatase. A deficiência enzimática, que se herda de um dos pais, provoca a acumulação de protoporfirina na medula óssea e no sangue. O excesso de protoporfirina passa através do fígado para o interior da bílis e excreta-se finalmente pelas fezes.
Sintomas e diagnóstico
Os sintomas começam gradualmente na infância. A dor e a tumefacção desenvolvem-se mal a pele seja exposta à luz solar. Como as bolhas e as cicatrizes não são habituais, os médicos nem sempre reconhecem a doença. Também o diagnóstico é difícil porque a protoporfirina é muito insolúvel e não se excreta na urina.
O diagnóstico, por conseguinte, estabelece-se quando se detectam os elevados valores de protoporfirina no plasma e nos glóbulos vermelhos.
Por razões desconhecidas, a gravidade da protoporfirina eritropoiética varia consideravelmente de pessoa para pessoa, inclusive dentro da mesma família. Uma pessoa pode estar significativamente afectada pela doença, enquanto um parente próximo com a mesma mutação do gene pode ter um aumento pequeno ou nulo de porfirinas e nenhum sintoma.
Tratamento
Deve-se evitar a luz solar. O betacatoreno, quando se toma em quantidades suficientes para causar uma ligeira coloração amarela na pele, é especialmente eficaz, já que faz com que muitas pessoas possam suportar melhor a luz solar.
As pessoas com protoporfiria eritropoiética podem desenvolver cálculos biliares que contêm protoporfirina; por vezes pode ser necessário extraí-los cirurgicamente. Uma complicação mais grave é a lesão do fígado, que em algumas ocasiões torna necessário um transplante deste órgão.
PORFIRIA AGUDA INTERMITENTE
Porfiria aguda intermitente
A porfiria aguda intermitente, que provoca sintomas neurológicos, é a porfiria aguda mais frequente.
A porfiria intermitente, uma porfiria hepática, é provocada por uma deficiência do enzima desaminase do porfobilinogénio, também conhecida como sintetase do uroporfirinogénio. A deficiência do enzima herda-se de um dos pais, mas a maioria dos que herdam a característica nunca desenvolvem sintomas.
A porfiria aguda intermitente ocorre em pessoas de todas as raças, mas é um pouco mais frequente entre os europeus do Norte.
São necessários outros factores, medicamentos, hormonas ou a alimentação, para activar a perturbação e causar sintomas. Muitos medicamentos, como os barbitúricos, os antiepilépticos e os antibióticos do grupo das sulfamidas, podem desencadear um ataque.
As hormonas, como a progesterona e esteróides semelhantes, podem precipitar os sintomas, assim como também a alimentação pobre em calorias e em hidratos de carbono ou as grandes quantidades de álcool.
O stress como resultado de uma infecção, outra doença, a cirurgia ou uma perturbação psicológica também estão por vezes implicados.
Em geral trata-se de uma combinação de factores. Por vezes não se podem identificar os factores que causam um ataque.
Sintomas
Os sintomas manifestam-se em ataques que duram vários dias ou mesmo mais tempo. Os ataques aparecem depois da puberdade e são mais frequentes nas mulheres do que nos homens.
Em algumas mulheres, os ataques produzem-se durante a segunda metade do ciclo menstrual. A dor abdominal é o sintoma mais frequente. A dor pode ser tão forte que o médico pode incorrectamente pensar que se trata de um processo que precisa de cirurgia abdominal.
Os sintomas gastrointestinais compreendem náuseas, vómitos, prisão de ventre ou diarreia e distensão abdominal. A bexiga pode ver-se afectada, o que faz com que a micção seja difícil. Também são frequentes, nas crises, uma frequência cardíaca rápida, hipertensão arterial, transpiração e intranquilidade.
Todos estes sintomas, incluindo os gastrointestinais, são resultado dos efeitos sobre o sistema nervoso. Os nervos que controlam os músculos podem ser lesados, provocando fraqueza, que começa geralmente nos ombros e nos braços.A fraqueza pode estender-se virtualmente a todos os músculos, incluindo os implicados na respiração. Podem produzir-se tremores e convulsões.
A hipertensão arterial pode manter-se depois da crise. A recuperação pode dar-se ao fim de alguns dias, embora a cura completa de uma fraqueza muscular grave possa requerer vários meses ou anos.
Diagnóstico
Os graves sintomas gastrointestinais e neurológicos parecem-se com os de muitas outras situações. Contudo, os exames laboratoriais que medem as concentrações de dois precursores do heme (o ácido delta-aminolevulínico e o porfobilinogénio) na urina permitem ao médico chegar ao diagnóstico de porfiria aguda intermitente. Os valores destes precursores são muito elevados durante os ataques de porfiria aguda intermitente e estão permanentemente elevados nas pessoas que sofrem ataques repetidos.
Os precursores podem formar porfirinas, que são de cor avermelhada, e outras substâncias de cor pardacenta.
Por conseguinte, a urina pode mudar de cor, especialmente depois de ser exposta à luz. Essas alterações na cor da urina podem ajudar o médico a suspeitar de uma porfiria.
Tratamento e prevenção
Os ataques graves de porfiria aguda intermitente tratam-se com o heme, o qual se deve administrar por via endovenosa. Outro produto, o arginato de heme, tem menos efeitos secundários, mas está ainda em fase de investigação.
O heme é fixado pelo fígado, onde compensa a síntese reduzida do mesmo. Os valores no sangue e na urina do ácido delta-aminolevulínico e do porfobilinogénio descem rapidamente e os sintomas melhoram, em geral, em vários dias. Se o tratamento for atrasado, a recuperação leva mais tempo e algumas lesões nervosas podem ser permanentes.
Também é útil administrar glicose por via endovenosa ou uma dieta com alto conteúdo de hidratos de carbono, mas estas medidas são menos eficazes do que a administração do heme. Pode-se controlar a dor com medicamentos até que a pessoa responda ao heme ou à glicose. O médico suspenderá a tomada de qualquer medicamento que possa ser nocivo e, se for possível, estudará os outros factores que podem ter contribuído para a crise.
Podem prevenir-se os ataques de porfiria aguda intermitente mantendo uma boa nutrição e evitando os medicamentos que podem provocá-los. Devem-se evitar as dietas forçadas para perder peso rapidamente.
O heme pode ser utilizado para prevenir ataques, mas não há um regime normalizado estabelecido. Os ataques pré-menstruais nas mulheres podem ser prevenidos com um dos análogos dos libertadores da hormona gonadotropina que são utilizados para tratar a endometriose, embora este tratamento ainda esteja em investigação.
PORFIRIA CUTANEA TARDIA
Porfiria cutânea tardia
A porfiria cutânea tardia, a forma mais frequente de porfiria, provoca bolhas na pele exposta ao sol.
A porfiria cutânea tardia verifica-se em todas as partes do mundo e é o único tipo de porfiria que não é hereditária. Esta perturbação, uma porfiria hepática, produz-se quando a descarboxilase do uroporfirinogénio, um dos enzimas de que o fígado necessita para a síntese do heme, se inactiva.
Os factores que contribuem para o seu aparecimento são o ferro, o álcool, os estrogénios e a infecção provocada pelo vírus da hepatite C. Com menor frequência, a porfiria cutânea tardia manifesta-se nas pessoas infectadas com o vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Embora a perturbação não seja hereditária, por vezes uma deficiência parcial do enzima descarboxilase do uroporfirinogénio herdada de um dos pais faz com que o indivíduo seja propenso a desenvolver a perturbação. Nesses casos, chama-se porfiria cutânea tardia familiar.
Sintomas
As bolhas aparecem nas zonas expostas ao sol, como o dorso das mãos, os braços e a cara. A pele, especialmente a das mãos, é sensível a pequenos traumatismos. As bolhas são substituídas posteriormente por crostas e cicatrizes que demoram muito a curar. As lesões da pele produzem-se porque as porfirinas originadas no fígado são transportadas pelo plasma do sangue até à pele. Pode aumentar a penugem facial. O fígado em geral fica lesado em certo grau, por vezes parcialmente devido a uma infecção pelo vírus da hepatite C ou pelo abuso de álcool. Com a evolução do processo pode-se desenvolver cirrose hepática e inclusive cancro do fígado.
Diagnóstico
Para diagnosticar a porfiria cutânea tardia, o médico analisa o plasma sanguíneo, a urina e as fezes para detectar porfirinas.
ualquer forma de porfiria que provoque lesões cutâneas é acompanhada de uma elevada concentração de porfirinas no plasma sanguíneo. Na porfiria cutânea tardia, as concentrações de porfirinas aumentam na urina e nas fezes.
Tratamento
A porfiria cutânea tardia é a porfiria mais fácil de tratar. Recomenda-se, de forma unânime, um procedimento denominado flebotomia, em que se extraem 500 ml de sangue em cada uma ou duas semanas. Este procedimento provoca uma ligeira deficiência de ferro no paciente. Os valores de porfirinas no fígado e no plasma sanguíneo descem gradualmente, a pele melhora e finalmente recupera a normalidade. Em geral são precisas apenas cinco a seis flebotomias; caso se façam mais, desenvolve-se anemia. Só são necessárias mais flebotomias quando houver uma recorrência da perturbação.
Também é eficaz tomar doses muito baixas de cloroquina ou hidroxicloroquina. Estes medicamentos eliminam o excesso de porfirinas do fígado. Contudo, as doses demasiado elevadas (inclusive as usadas convencionalmente no tratamento de outras doenças) fazem com que as porfirinas sejam eliminadas demasiado rapidamente, o que produz um agravamento temporário da porfiria cutânea tardia e uma lesão do fígado. Também é benéfico evitar o consumo de álcool.
LINFANGIECTASIA INTESTINAL
Linfangiectasia intestinal
A linfangiectasia intestinal (hipoproteinemia idiopática) é um problema das crianças e dos adultos jovens, em que se dilatam os vasos linfáticos da mucosa do intestino delgado.
O aumento de tamanho dos vasos linfáticos pode ser um defeito congénito. Mas na idade adulta pode ser consequência da inflamação do pâncreas (pancreatite) ou do endurecimento do saco que reveste o coração (pericardite constritiva) (Ver secção 3, capítulo 22) o que aumenta a pressão no sistema linfático.
Sintomas e diagnóstico
Uma pessoa com linfangiectasia tem uma retenção maciça de líquidos (edema) devido ao facto de o líquido dos tecidos não poder ser drenado de forma eficiente através dos vasos linfáticos dilatados e obstruídos. O edema pode afectar diferentes partes do organismo de forma irregular, dependendo de quais são os vasos linfáticos afectados. Por exemplo, o líquido pode acumular-se na cavidade abdominal ou na pleural.
Também podem surgir náuseas, vómitos, diarreia ligeira e dor abdominal e diminuir o número de linfócitos no sangue. Perdem-se proteínas porque a linfa se escapa dos vasos linfáticos para o intestino e para as fezes e, portanto, baixa o valor das proteínas no sangue. Estes baixos valores de proteínas podem provocar um maior edema dos tecidos. Os valores de colesterol no sangue podem ser anormalmente baixos devido ao facto de a sua absorção ser deficiente. Alguns doentes têm fezes com grande conteúdo de gordura.
Para auxiliar o diagnóstico desta afecção, o médico pode dar uma injecção endovenosa de albumina marcada com uma substância radioactiva. Se surgirem concentrações anormais desta substância nas fezes, significa que há uma perda excessiva de proteínas. Uma biopsia do intestino delgado evidencia que os vasos linfáticos estão dilatados.
Tratamento
A linfangiectasia intestinal trata-se corrigindo a causa da dilatação dos vasos linfáticos. Por exemplo, pode-se aliviar a pressão dos vasos linfáticos tratando a pericardite constritiva.
Alguns pacientes melhoram com uma dieta baixa em gorduras e tomando suplementos de certos triglicéridos que, depois de serem absorvidos, passam directamente para o sangue e não através dos vasos linfáticos. Se estiver afectada apenas uma pequena parte do intestino, esta pode ser extirpada cirurgicamente.
ALTERAÇAO DA PERSONALIDADE
Alterações da personalidade
As alterações da personalidade caracterizam-se por padrões de percepção, de reacção e de relação que são relativamente fixos, inflexíveis e socialmente desadaptados, incluindo uma variedade de situações.
Cada um tem padrões característicos de percepção e de relação com outras pessoas e situações (traços pessoais). Dito de outro modo, toda a gente tende a confrontar-se com situações stressantes com um estilo individual, mas repetitivo. Por exemplo, algumas pessoas tendem a responder sempre a uma situação problemática procurando a ajuda de outros. Outras assumem sempre que podem lidar com os problemas por si próprias. Algumas pessoas minimizam os problemas, outras exageram-nos. Ainda que as pessoas tendam a responder sempre do mesmo modo a uma situação difícil, a maioria é propensa a tentar outro caminho se a primeira resposta for ineficaz. Em contraste, as pessoas com alterações da personalidade são tão rígidas que não se podem adaptar à realidade, o que debilita a sua capacidade operacional. Os seus padrões desadaptados de pensamento e de comportamento tornam-se evidentes no início da idade adulta, frequentemente antes, e tendem a durar toda a vida. São pessoas propensas a ter problemas nas suas relações sociais e interpessoais e no trabalho.
As pessoas com alterações da personalidade não têm, geralmente, consciência de que o seu comportamento ou os seus padrões de pensamento são desadequados; pelo contrário, muitas vezes pensam que os seus padrões são normais e correctos. Frequentemente, os familiares ou os assistentes sociais enviam-nos para receber ajuda psiquiátrica porque o seu comportamento desadequado causa dificuldades aos outros. Por outro lado, as pessoas com alterações por ansiedade causam problemas a si próprias, mas não aos outros. (Ver secção 7, capítulo 83) Quando as pessoas com alterações da personalidade procuram ajuda por si mesmas (frequentemente, por causa de frustrações), tendem a pensar que os seus problemas são provocados por outras pessoas ou por uma situação particularmente difícil.
As alterações da personalidade incluem os seguintes tipos: paranóide, esquizóide, esquizotípico, histriónico, narcisista, anti-social, limite, esquivo, dependente, obsessivo-compulsivo e passivo-agressivo. A alteração de identidade dissociativa, anteriormente chamada alteração da personalidade múltipla, é um perturbação completamente diferente. (Ver secção 7, capítulo 90).
Personalidade paranóide
As pessoas com uma personalidade paranóide projectam os seus próprios conflitos e hostilidades para os outros. São geralmente frias e distantes nas suas relações. Tendem a encontrar intenções hostis e malévolas por trás de actos triviais, inocentes ou mesmo positivos de outras pessoas e reagem com suspeição às mudanças nas situações. Muitas vezes, as suspeitas conduzem a comportamentos agressivos ou à rejeição por parte dos outros (resultados que parecem justificar os seus sentimentos originais).
Os que têm uma personalidade paranóide tentam frequentemente acções legais contra outros, especialmente se se sentem indignados com razão. São incapazes de ver o seu próprio papel dentro de um conflito. Embora costumem trabalhar num isolamento relativo, podem ser altamente eficientes e conscenciosos.
Por vezes, as pessoas que já se sentem alienadas por causa de um defeito ou de uma deficiência (como a surdez) são mais vulneráveis a desenvolver ideias paranóides.
Personalidade esquizóide
As pessoas com uma personalidade esquizóide são introvertidas, ensimesmadas e solitárias. São emocionalmente frias e socialmente distantes. Muitas vezes estão absortas nos seus próprios pensamentos e sentimentos e são receosas da aproximação e da intimidade com outros. Falam pouco, são dadas a sonhar acordadas e preferem a especulação teórica à acção prática. A fantasia é um modo frequente de se confrontar com a realidade.
Personalidade esquizotípica
As pessoas com uma personalidade esquizotípica, tal como as que têm uma personalidade esquizóide, encontram-se social e emocionalmente isoladas. Desenvolvem, além disso, pensamentos, percepções e comunicações insólitas. Embora estas originalidades sejam semelhantes às das pessoas com esquizofrenia (Ver secção 7, capítulo 90) e embora a personalidade esquizotípica se encontre, por vezes, nas pessoas com esquizofrenia antes de manifestarem totalmente a doença, a maioria dos adultos com uma personalidade esquizotípica não desenvolve esquizofrenia. Algumas pessoas mostram sinais de pensamento mágico (a ideia de que uma acção particular pode controlar algo que não tem qualquer relação com ela). Por exemplo, uma pessoa pode acreditar que vai ter realmente má sorte se passar por debaixo de uma escada ou que pode provocar dano a outros tendo pensamentos de ira. As pessoas com uma doença esquizotípica podem ter também ideias paranóides.
Personalidade histriónica
As pessoas com uma personalidade histriónica (histérica) procuram de um modo notório chamar a atenção e comportam-se teatralmente. As suas maneiras vivamente expressivas têm como resultado o estabelecimento de relações com facilidade, mas de um modo superficial. As emoções parecem muitas vezes exageradas, infantilizadas e idealizadas para provocar a simpatia ou a atenção (com frequência erótica ou sexual) dos outros. A pessoa com personalidade histriónica mostra-se inclinada a comportamentos sexualmente provocatórios ou a sexualizar as relações não sexuais. Podem não querer, na realidade, uma relação sexual; antes pelo contrário, muitas vezes os seus comportamentos sedutores encobrem o seu desejo de dependência e de protecção. Algumas pessoas com personalidade histriónica são também hipocondríacas e exageram os seus problemas físicos para conseguir a atenção de que necessitam.
Personalidade narcisista
As pessoas com uma personalidade narcisita têm um sentido de superioridade e uma crença exagerada no seu próprio valor ou importância, o que os psiquiatras chamam «grandiosidade». As pessoas com este tipo de personalidade podem ser extremamente sensíveis ao fracasso, à derrota ou à crítica e, quando se confrontam com um fracasso, para avaliarem a alta opinião de si próprios podem ficar facilmente raivosos ou gravemente deprimidos. Como pensam que são superiores nas relações com os outros, esperam ser admirados e, com frequência, suspeitam que os outros os invejam. Sentem que merecem que as suas necessidades sejam satisfeitas sem demora e, por isso, exploram os outros, cujas necessidades ou crenças são consideradas menos importantes. O seu comportamento é muitas vezes ofensivo para outros, que os acham egocentristas, arrogantes ou mesquinhos.
Personalidade anti-social
As pessoas com personalidade anti-social (noutro tempo chamada psicopática ou personalidade sociopática), a maior parte das quais são homens, mostram desprezo insensível pelos direitos e pelos sentimentos dos outros. Exploram os outros para obter benefício material ou gratificação pessoal (ao contrário dos narcisistas, que pensam serem melhores que os outros). Caracteristicamente, tais pessoas exprimem os seus conflitos de forma impulsiva e irresponsável. Toleram mal a frustração e, por vezes, são hostis e violentas. Apesar dos problemas ou do dano que causam a outros pelo seu comportamento anti-social, não sentem, tipicamente, remorsos ou culpabilidade. Ao contrário, racionalizam cinicamente o seu comportamento ou culpam os outros. As suas relações estão cheias de desonestidades e de enganos. A frustração e o castigo raramente os levam a modificar os seus comportamentos.
As pessoas com personalidade anti-social são frequentemente inclinadas ao alcoolismo, à toxicomania, aos desvios sexuais, à promiscuidade e a serem presas. São propensas ao fracasso nos seus trabalhos e a mudarem-se de um sítio para o outro. Frequentemente têm uma história familiar de comportamento anti-social, abuso de substâncias, divórcio e abusos físicos. Na sua infância, geralmente, foram descuidados emocionalmente e com frequência sofreram abusos físicos nos seus anos de formação. Têm uma esperança de vida inferior à média, mas entre os que sobrevivem, esta situação tende a diminuir ou a estabilizar-se com a idade.
Personalidade limite
As pessoas com uma personalidade limite, a maior parte das quais são mulheres, são instáveis na percepção da sua própria imagem, no seu humor, no seu comportamento e nas suas relações interpessoais (que muitas vezes são tempestuosas e intensas). A personalidade limite torna-se evidente no início da idade adulta, mas a prevalência diminui com a idade. Estas pessoas foram muitas vezes privadas dos cuidados necessários durante a infância. Consequentemente, sentem-se vazias, furiosas e merecedoras de cuidados.
Quando as pessoas com uma personalidade limite se sentem assistidas, mostram-se solitárias e desamparadas, necessitando frequentemente de ajuda pela sua depressão, pelo abuso de substâncias tóxicas, pelas alterações do apetite e pelo mau trato recebido no passado. No entanto, quando receiam o abandono da pessoa que as assiste, o seu humor muda radicalmente. Com frequência mostram uma cólera despropositada e intensa, acompanhada por alterações extremas na sua visão do mundo, de si próprias e dos outros (mudando do preto para o branco, do amor para o ódio ou vice-versa, mas nunca para uma posição neutra). Se se sentirem abandonadas e sós, podem chegar a interrogar-se se realmente existem (isto é, não se sentem reais). Podem tornar-se desesperadamente impulsivas, implicando-se numa promiscuidade ou num abuso de substâncias tóxicas. Por vezes, perdem de tal modo o contacto com a realidade que têm episódios breves de pensamento psicótico, paranóia e alucinações.
Estas pessoas são vistas, muitas vezes, pelos médicos dos cuidados primários de saúde; tendem a visitar com frequência o médico por crises repetidas ou queixas difusas, mas não cumprem as recomendações do tratamento. Esta alteração da personalidade é também a mais frequentemente tratada pelos psiquiatras, porque as pessoas que sofrem dela procuram incessantemente alguém que cuide delas.
Personalidade esquiva
As pessoas com uma personalidade esquiva são hipersensíveis à rejeição e temem começar relações ou qualquer outra coisa nova pela possibilidade de rejeição ou de decepção. Estas pessoas têm um forte desejo de receber afecto e de serem aceites. Sofrem abertamente pelo seu isolamento e falta de capacidade de se relacionarem comodamente com os outros. Ao contrário daquelas que têm uma personalidade limite, as pessoas com uma personalidade esquiva não respondem com a cólera à rejeição; em vez disso, apresentam-se tímidas e retraídas. A alteração da personalidade esquiva é semelhante à fobia social. (Ver secção 7, capítulo 83).
Personalidade dependente
As pessoas com uma personalidade dependente transferem as decisões importantes e as responsabilidades para os outros e permitem que as necessidades daqueles de quem dependem se anteponham às suas próprias. Não têm confiança em si próprias e manifestam uma intensa insegurança. Muitas vezes queixam-se de que não podem tomar decisões e de que não sabem o que fazer nem como fazer. Rejeitam dar opiniões, embora as tenham, porque temem ofender as pessoas de que necessitam. As pessoas com outras alterações da personalidade apresentam frequentemente aspectos da personalidade dependente, mas estes sinais ficam geralmente encobertos pela predominância da outra perturbação. Alguns adultos com doenças prolongadas desenvolvem personalidades dependentes.
Personalidade obsessivo-compulsiva
As pessoas com personalidade obsessivo-compulsivo são formais, fiáveis, ordenadas e metódicas, mas muitas vezes não se podem adaptar às mudanças. São cautelosas e analisam todos os aspectos de um problema, o que dificulta a tomada de decisões. Embora estes sinais estejam em consonância com os padrões culturais do Ocidente, os indivíduos com uma personalidade obsessivo-compulsiva assumem as suas responsabilidades com tanta seriedade que não toleram os erros e prestam tanta atenção aos pormenores que não conseguem chegar a completar as suas tarefas. Consequentemente, estas pessoas podem entreter-se nos meios para realizar uma tarefa e esquecer o seu objectivo. As suas responsabilidades criam-lhes ansiedade e raramente encontram satisfação com os seus êxitos.
Estas pessoas são frequentemente grandes personalidades, especialmente nas ciências e noutros campos intelectuais onde a ordem e a atenção aos pormenores são fundamentais. No entanto, podem sentir-se desligadas dos seus sentimentos e incomodadas com as suas relações ou outras situações que não controlam, com acontecimentos imprevisíveis ou quando devem confiar nos outros.
Personalidade passivo-agressiva
Os comportamentos de uma pessoa com uma personalidade passivo-agressiva (negativista) têm como objectivo encoberto controlar ou castigar os outros. O comportamento passivo-agressivo é frequentemente expresso como demorado, ineficiente e mal-humorado. Muitas vezes, os indivíduos com uma personalidade passivo-agressiva aceitam realizar tarefas que na realidade não desejam fazer e a seguir o seu procedimento é o de minar subtilmente a concretização dessas tarefas. Esse comportamento geralmente serve para exprimir uma hostilidade oculta.
Diagnóstico
O médico baseia o diagnóstico de uma alteração da personalidade na expressão, pelo indivíduo, de tipos de comportamento ou de pensamentos desadaptados. Estes comportamentos tendem a manifestar-se porque a pessoa resiste tenazmente a mudá-los apesar das suas consequências desadaptadas.
Além disso, é provável que o médico perceba a utilização inapropriada por parte da pessoa de mecanismos de confrontação, muitas vezes chamados mecanismos de defesa. Embora toda a gente utilize, inconscientemente, mecanismos de defesa, a pessoa com alterações da personalidade utiliza-os de forma desadequada ou imatura.
Tratamento
Embora os tratamentos difiram de acordo com o tipo de alteração da personalidade, alguns princípios gerais podem ser aplicados a todos. A maior parte das pessoas com uma alteração da personalidade não sente a necessidade de tratamento e, provavelmente por essa razão, costumam dirigir-se à consulta acompanhados de outra pessoa. Geralmente, o doente pode responder ao apoio que se lhe presta, mas costuma manter-se firme quanto aos padrões de pensamento e de comportamentos próprios da sua desadaptação. Em regra, o apoio é mais eficaz quando intervêm outros doentes ou um psicoterapeuta.
O terapeuta destaca repetidamente as consequências indesejáveis da forma de pensar e de comportar-se do doente, fixa por vezes limites a esse comportamento e confronta também de forma repetida o doente com a realidade. É útil e muitas vezes essencial a implicação da família da pessoa afectada, dado que a pressão do grupo pode ser eficaz. As terapias de grupo e familiares, viver em grupo em residências especializadas e a participação em clubes sociais terapêuticos ou em grupos de auto-ajuda podem ser úteis.
Estas pessoas, por vezes, têm ansiedade e depressão, que esperam aliviar com fármacos. No entanto, a ansiedade e a depressão que resultam de uma alteração da personalidade são raramente aliviadas com medicamentos de forma satisfatória e tais sintomas podem indicar que a pessoa está a realizar algum auto-exame saudável. Mais ainda, a terapia farmacológica complica-se frequentemente pelo mau uso dos medicamentos ou por tentativas de suicídio. Se a pessoa sofre de outra perturbação psiquiátrica, como depressão funda, fobia ou perturbação por pânico, a tomada de medicamentos pode ser adequada, embora possivelmente produzam só um alívio limitado.
Mudar uma personalidade requer muito tempo. Nenhum tratamento a curto prazo pode curar com êxito uma alteração da personalidade, mas certas mudanças podem conseguir-se mais rapidamente do que outras. A temeridade, o isolamento social, a ausência de auto-afirmação ou os improvisos temperamentais podem responder à terapia de modificação do comportamento. No entanto, a psicoterapia a longo prazo (terapia falada), com o objectivo de ajudar a pessoa a compreender as causas da sua ansiedade e a reconhecer o seu comportamento desadaptado, é a chave da maioria dos tratamentos. Alguns tipos de alterações da personalidade, como o narcisista ou o obsessivo-compulsivo, podem tratar-se melhor com a psicanálise. Outros, como os tipos anti-social ou paranóide, raramente respondem a uma terapia.
DEMENCIA
Demência
A demência é uma decadência progressiva da capacidade mental em que a memória, a reflexão, o juízo, a concentração e a capacidade de aprendizagem estão diminuídos e pode produzir-se uma deterioração da personalidade.A demência pode aparecer subitamente em pessoas jovens em quem uma lesão grave, uma doença ou certas substâncias tóxicas (como o monóxido de carbono) destruiu células cerebrais. No entanto, a demência habitualmente desenvolve-se de forma lenta e afecta as pessoas com mais de 60 anos. Apesar de tudo, a demência não faz parte do processo normal de envelhecimento. À medida que a pessoa envelhece, as alterações no cérebro causam uma certa perda de memória, especialmente a de factos recentes, e uma deterioração na capacidade de aprendizagem. Estas alterações não afectam as funções normais. A falta de memória nas pessoas mais velhas denomina-se perda de memória senil benigna e não é necessariamente um sinal de demência ou um sintoma precoce da doença de Alzheimer. A demência é uma deterioração muito mais grave da capacidade mental e piora com o tempo. Enquanto as pessoas que envelhecem normalmente podem chegar a esquecer pormenores, as pessoas que sofrem de demência podem chegar a esquecer por completo os acontecimentos recentes.
Causas
A causa mais frequente de demência é a doença de Alzheimer. As causas da doença de Alzheimer são desconhecidas, mas os factores genéticos têm a sua importância (a doença parece ser mais frequente em certas famílias e é causada ou influenciada por várias anomalias em genes específicos). Na doença de Alzheimer, partes do cérebro degeneram, as células destroem-se e, nas que subsistem, reduz-se a capacidade de reacção face a muitas das substâncias químicas que transmitem os sinais no cérebro. Aparecem no cérebro tecidos anormais chamados placas senis e feixes neurofibrilares, assim como certas proteínas anormais que podem ser identificadas no decorrer de uma autópsia.
A segunda causa mais frequente da demência são os ictos repetidos. Cada um destes acidentes vasculares cerebrais é pouco importante, não dá lugar a debilidade imediata ou muito pouca e raras vezes ocasiona o tipo de paralisia que os ictos maiores causam. Estes pequenos ictos destroem paulatinamente o tecido cerebral; as zonas destruídas por falta de irrigação sanguínea chamam-se enfartes. Uma vez que este tipo de demência é o resultado de muitos ictos pequenos, esta perturbação é conhecida pelo nome de demência multienfarte. Em geral, as pessoas com demência multienfarte sofrem de pressão arterial alta ou diabetes, processos que podem lesionar os vasos sanguíneos no cérebro. A demência pode também ser causada por uma lesão cerebral ou por uma paragem cardíaca.
Outras causas de demência são pouco frequentes. Uma doença pouco frequente, a de Pick, é muito semelhante à de Alzheimer, salvo que só afecta uma parte muito pequena do cérebro e progride de forma muito mais lenta. Cerca de 15 % a 20 % das pessoas com a doença de Parkinson mais tarde ou mais cedo sofrem de demência. A demência também ocorre em pessoas com SIDA e com a doença de Creutzfeldt-Jakob; esta é uma doença pouco frequente de progressão rápida, causada por uma infecção do cérebro, provavelmente por uma partícula chamada prião, a qual pode ter relação com a doença das vacas loucas.A hidrocefalia com pressão normal (ou normotensa) apresenta-se quando o líquido que habitualmente rodeia e protege o cérebro das lesões deixa de se reabsorver normalmente, causando um tipo raro de demência. Esta hidrocefalia não só causa uma deterioração da função mental, mas também ocasiona uma incontinência urinária e uma anomalia que se caracteriza por andar com as pernas separadas. Ao contrário de outras causas de demência, a hidrocefalia com pressão normal é reversível se for tratada a tempo.
As pessoas que sofrem traumatismos cranianos repetidos, como por exemplo os pugilistas, habitualmente desenvolvem uma demência pugilística (encefalopatia traumática progressiva crónica); algumas delas também desenvolvem hidrocefalia.Algumas pessoas mais velhas com depressão têm uma pseudodemência (só parecem ter demência). Comem e dormem pouco e queixam-se amargamente da sua perda de memória, ao contrário das pessoas com demência real, que habitualmente negam que perdem a memória.
Corte de cérebro normal e atrofia cerebral Note-se a diminuição do tecido cerebral a nível do córtex, assim como o maior tamanho dos sulcos.
Corte de cérebro normal e importante hidrocefalia com pressão normal Observe-se o tamanho dos ventrículos laterais.
Sintomas
Como a demência começa habitualmente de forma lenta e se agrava com o tempo, nem sempre se pode identificar a perturbação logo desde o início. Diminui a memória e a capacidade da noção do tempo e de reconhecer as pessoas, os lugares e os objectos. As pessoas com demência têm dificuldades para encontrar a palavra apropriada e pensar em abstracto (como trabalhar com números). As alterações de personalidade são também frequentes e muitas vezes exagera-se um traço particular da personalidade.
A demência causada pela doença de Alzheimer, de modo geral, começa subtilmente. As pessoas que trabalham sofrem certas dificuldades nas suas tarefas, enquanto as alterações entre os reformados não são tão notórias no início. Os primeiros sintomas podem ser o esquecimento dos acontecimentos recentes, embora muitas vezes a doença comece com depressão, temor, ansiedade, diminuição das emoções ou outras alterações da personalidade. Os padrões de linguagem podem apresentar alterações ligeiras, a pessoa pode utilizar palavras mais simples ou de maneira incorrecta ou ter dificuldades para encontrar a palavra apropriada. A condução do automóvel pode ser difícil devido à incapacidade de interpretar os sinais. Com o tempo, as alterações são mais notórias e, finalmente, a pessoa não tem um comportamento social adequado.
A demência causada por pequenos ictos, ao contrário da doença de Alzheimer, pode ter um curso progressivo por pequenos surtos, com um agravamento repentino seguido de umas ligeiras melhoras, que finalmente piora de novo, no decorrer de meses ou de anos, quando se produz outro icto.
O controlo da hipertensão e da diabetes pode, às vezes, prevenir outros ictos e, às vezes também, verifica-se uma ligeira melhora. Algumas pessoas com demência conseguem dissimular as suas deficiências bastante bem. Evitam actividades complexas, como controlar as suas contas bancárias, ler ou trabalhar. As pessoas que não conseguem modificar o seu modo de vida podem sentir-se frustradas perante a incapacidade de cumprir as suas tarefas diárias. Por exemplo, podem esquecer-se do pagamento das suas facturas ou distraírem-se e esquecerem-se de desligar as luzes ou o fogão.
A demência progride a um ritmo que difere de pessoa para pessoa. Analisar a forma como a doença se agravou nos anos anteriores é muitas vezes uma boa maneira de prever o curso que seguirá no ano seguinte. A demência causada pela SIDA começa, geralmente, de forma subtil, mas progride regularmente ao longo de meses ou de anos. Raras vezes precede outros sintomas da SIDA. Pelo contrário, a doença de Creutzfeldt-Jacob leva a uma demência grave e à morte em menos de um ano.Na sua forma mais avançada, a demência acaba numa falta quase absoluta de função do cérebro. As pessoas com demência tornam-se retraídas e são menos capazes de controlar o seu comportamento. Têm explosões de cólera e alterações de humor e tendem a divagar. No final é-lhes impossível seguir uma conversa e podem perder a fala.
Diagnóstico
A falta de memória é habitualmente o primeiro sintoma no qual se fixam os familiares ou o médico. Os médicos ou outros profissionais da saúde podem chegar ao diagnóstico na base de perguntas feitas ao doente e aos seus familiares. Determina-se o estado mental através da realização de uma série de perguntas: a cada resposta é atribuída uma pontuação determinada. (Ver imagem da secção 6, capítulo 60) Podem ser necessárias provas mais complexas (provas neuropsicológicas) para averiguar o grau de incapacidade ou para determinar se na realidade se trata de uma verdadeira deterioração intelectual.
Os médicos estabelecem o diagnóstico em função da situação geral, tendo em conta a idade da pessoa afectada, a história familiar, o início dos sintomas e a forma como progridem, assim como a presença de outras doenças, como hipertensão e diabetes.
Ao mesmo tempo, os médicos tentam encontrar uma causa da deterioração mental susceptível de tratamento, como uma doença tiróidea, valores anormais de electrólitos no sangue, infecções, um défice de vitaminas, uma intoxicação por medicamentos ou uma depressão. Fazem-se sempre as análises habituais ao sangue e o médico verifica todos os fármacos que a pessoa está a tomar para ver se algum deles é o responsável. O médico pode solicitar uma tomografia axial computadorizada (TAC) ou uma ressonância magnética (RM) para descartar um tumor cerebral, uma hidrocefalia ou um icto.
Os médicos suspeitam de uma doença de Alzheimer como causa de uma demência numa pessoa mais velha cuja memória sofra uma deterioração gradual. Embora o diagnóstico através do exame da pessoa possa ser correcto em 85 % dos casos, a única prova que permite confirmar a doença de Alzheimer é a autópsia. Nela observa-se uma perda de células nervosas. Entre as células nervosas restantes vêem-se feixes de neurofibrilhas e placas compostas de amilóide (um tipo anormal de proteína), distribuídos por todo o tecido cerebral. Para diagnosticar a doença de Alzheimer propuseram-se também testes ao líquido cefalorraquidiano e exames cerebrais especiais denominados tomografias por emissão de positrões (TEP), embora ainda não sejam suficientemente fiáveis.
Tratamento
De modo geral, as demências são incuráveis. A tacrina é eficaz em algumas pessoas com a doença de Alzheimer, mas causa graves efeitos secundários. Este fármaco foi substituído, em geral, pelo donepezil, que causa menos efeitos secundários e pode atrasar a progressão da doença de Alzheimer durante um ano ou mais. O ibuprofeno também pode atrasar o curso da doença. Este fármaco é mais eficaz no início, quando a doença ainda é moderada.
A demência causada pela repetição de pequenos ictos não tem tratamento, mas a sua progressão pode ser retardada com o tratamento da hipertensão ou da diabetes associadas com os mesmos. Hoje em dia não existe tratamento para a doença de Creutzfeldt-Jakob nem para a SIDA. Os medicamentos para a doença de Parkinson não são eficazes para a demência que a acompanha e alguns podem mesmo agravar os sintomas. Quando a perda de memória é causada pela depressão, os antidepressivos e um acompanhamento médico podem ser eficazes, pelo menos transitoriamente. A demência causada por uma hidrocefalia com pressão normal, se for diagnosticada precocemente, às vezes pode ser tratada com a extracção do excesso de líquido dentro do cérebro através de um tubo de drenagem (derivação).
Muitas vezes, utilizam-se fármacos como a tioridazina e o haloperidol para controlar o nervosismo e as explosões de cólera que podem acompanhar um estado avançado de demência. Infelizmente, estes medicamentos não são muito eficazes para controlar tais comportamentos e podem causar efeitos secundários graves. Os fármacos antipsicóticos são mais eficazes nas pessoas com paranóia ou alucinações.
Sabe-se que uma gama extensa de medicamentos, vitaminas e suplementos nutricionais não são úteis no tratamento da demência. Entre eles encontram-se a lecitina, o mesilato ergolóide, o ciclandelato e a vitamina B12 (a menos que exista um défice de B12). Muitos medicamentos, alguns de venda sem receita médica, agravam a demência. Muitos medicamentos para dormir, fármacos para a gripe, ansiolíticos e alguns antidepressivos com frequência também acarretam um agravamento dos sintomas.
Apesar de o estado da demência ser crónico e a função intelectual não poder ser restabelecida, as medidas de apoio podem ser de grande utilidade. Os relógios e os calendários de grande tamanho, por exemplo, podem ajudar a orientar as pessoas afectadas e aquelas que se ocupam delas podem fazer comentários frequentes para lhes recordar a sua localização e o que está a acontecer. Pode ser benéfico um ambiente animado e alegre, com poucos estímulos novos e com actividades pouco enervantes. Se as actividades diárias se simplificarem e as expectativas dos que tratam destas pessoas se reduzirem, sem que elas sintam uma perda de dignidade ou de auto-estima, podem inclusive verificar-se algumas melhoras. Os que se ocupam das pessoas afectadas pela demência devem saber orientá-las em todo o momento, evitando tratá-las como uma criança. Não se deve repreender uma pessoa com demência se esta cometer um erro ou não conseguir aprender um determinado assunto ou se tiver esquecimentos, porque isso pode agravar a situação.
Como a demência é, habitualmente, progressiva, é essencial ter um plano para o futuro. Essa planificação associa, habitualmente, os esforços de um médico, de um trabalhador social, de enfermeiras e de um advogado. No entanto, a maior responsabilidade recai sobre a família e o stress pode ser enorme. É possível, muitas vezes, conseguir períodos de descanso para o peso que significa um cuidado permanente destes doentes, mas isso depende do comportamento específico e das capacidades das referidas pessoas com demência, bem como dos recursos dos familiares e da comunidade. Os centros de assistência social, como o departamento de assistência social do hospital da comunidade, podem ajudar a encontrar o auxílio adequado. As opções podem consistir num programa de cuidado diurno, visitas de enfermeiras ao domicílio, assistência a tempo parcial ou completo para as tarefas domésticas ou a ajuda de alguém que viva de forma permanente na casa. À medida que a situação mental da pessoa se degrada, a melhor solução pode ser o internamento num centro especializado no cuidado destes doentes.
DELIRIO
Delírio
O delírio é uma perturbação potencialmente reversível que costuma aparecer de maneira súbita. Diminui a capacidade para prestar atenção, a pessoa está confusa, desorientada e é incapaz de pensar com clareza.
Causas
O delírio é um estado mental anormal e não uma doença, com um espectro de sintomas que indicam uma diminuição da actividade mental. Centenas de perturbações podem causar delírio; vão da simples desidratação à intoxicação por drogas, até uma infecção potencialmente mortal. Afecta quase sempre as pessoas mais velhas cujo cérebro já está deteriorado (incluindo as muito doentes), as que consomem drogas que alteram a mente ou o comportamento e as pessoas que sofrem de demência.
Sintomas
O delírio pode começar de muitas maneiras e, em casos ligeiros, pode ser muito difícil de reconhecer. O comportamento de pessoas em estado de delírio é muito variável, mas parece-se com o de uma pessoa embriagada.
A característica do delírio é a incapacidade de prestar atenção. As pessoas com delírio não conseguem concentrar-se, razão pela qual lhes é difícil processar informação nova e recordar factos recentes. Quase todas perdem o sentido do tempo, ficam confusas em relação à sua localização. Pensam de maneira confusa, divagam e tornam-se incoerentes. Nos casos mais graves chegam a perder o seu sentido de identidade. Podem sentir-se assustadas por alucinações nas quais crêem ver coisas ou pessoas que não existem. Algumas tornam-se paranóicas, crendo que estão acontecendo coisas estranhas. As pessoas com delírio reagem de várias maneiras: algumas tornam-se tão caladas e retraídas que aqueles que as rodeiam podem não se dar conta de que se encontram em estado de delírio; outras tornam-se muito agitadas e procuram fazer desaparecer as suas alucinações.
Quando o delírio é causado por drogas, é frequente o comportamento alterar-se de diferentes maneiras conforme a droga consumida. Por exemplo, pessoas intoxicadas com soníferos tendem a ser muito retraídas, enquanto as intoxicadas com anfetaminas podem tornar-se agressivas e hiperactivas.
O delírio pode durar horas, dias ou muito mais tempo, dependendo da intensidade do mesmo e das circunstâncias médicas da pessoa. Habitualmente agrava-se ao cair da noite (fenómeno conhecido como crepuscular). Em última instância, a pessoa com delírio pode cair num sono agitado e, conforme a causa, pode mesmo progredir para um estado de coma.
Diagnóstico
Os médicos podem reconhecer facilmente o delírio que tenha superado a etapa moderada. Uma vez que o delírio pode ser consequência de muitas doenças graves (algumas das quais podem ter um desenlace rápido e mortal), os médicos procuram determinar a sua causa o mais cedo possível. Primeiro, procuram diferenciar o delírio de uma doença mental. Nas pessoas com mais idade, procuram diferenciar o delírio da demência, através da análise da sua função mental habitual. No entanto, as pessoas com demência podem também sofrer de delírio.
Os médicos recolhem a máxima informação possível sobre a história médica do doente. Amigos, familiares e outros observadores são interrogados acerca do início do estado confusional, da rapidez da sua evolução e do estado de saúde física e mental da pessoa afectada; também se interrogam acerca do uso de fármacos, de drogas e de álcool por parte daquela. A informação também pode provir da polícia, do pessoal médico das urgências e de objectos significativos, como as embalagens de medicamentos.
Em seguida, o médico efectua um exame físico completo e presta uma atenção especial aos reflexos neurológicos. Também solicita análises de sangue, radiografias e, muitas vezes, leva a cabo uma punção lombar para obter líquido cefalorraquidiano para a sua análise.
Tratamento
O tratamento do delírio depende da causa subjacente. Por exemplo, os médicos tratam uma infecção com antibióticos, a febre com outros fármacos e os valores anormais de sal e de minerais em sangue mediante a regulação de líquidos e de sais.
Deve evitar-se que as pessoas muito agitadas ou com alucinações se autolesionem, ou então que causem danos a quem se ocupa delas. Nos hospitais, à vezes utilizam-se ligaduras acolchoadas. As benzodiazepinas, como o diazepam, o triazolam e o temazepam, podem ajudar a acalmar a agitação. Os medicamentos antipsicóticos, como o haloperidol, a tioridazina e a clorpromazina, administram-se habitualmente só a pessoas em estado de paranóia agressiva ou com muito medo ou às que não se acalmam com as benzodiazepinas.
Os hospitais utilizam as ligaduras como precaução e os médicos são cautelosos na prescrição de fármacos, sobretudo tratando-se de pessoas mais velhas, dado que as ligaduras ou os fármacos podem causar mais agitação ou confusão e ocultar um problema subjacente. No entanto, se o delírio é causado pelo álcool, prescrevem benzodiazepinas até que a agitação desapareça.
FIBROSE QUISTICA
Fibrose quística
A fibrose quística é uma doença hereditária que faz com que certas glândulas produzam secreções anormais, cujo resultado é uma série de sintomas, entre os quais o mais importante afecta o tubo digestivo e os pulmões.
A fibrose quística é uma doença hereditária de elevada mortalidade. Muitas pessoas que sofrem dela morrem jovens, mas cerca de 35 % chegam à idade adulta.
No entanto, a sua incidência é desigual nas diferentes etnias; assim, nos Estados Unidos, por exemplo, onde a diversidade étnica e a qualidade dos estudos estatísticos fornecem dados comparativos, a fibrose quística, que é a causa mórbida de maior frequência entre as pessoas de raça branca, sendo 5 % portadores de um gene anormal portador da doença, causa a morte de 1 em cada 2500 bebés de raça branca e de 1 em cada 17 000 de raça negra, enquanto é rara entre os indivíduos asiáticos.
Em contrapartida, não há variação na sua incidência em função do sexo, afectando por igual rapazes e raparigas.
Nas pessoas que são portadoras do gene anormal responsável pela fibrose quística, a doença, uma vez que o traço é recessivo, manifesta-se somente quando são dois os genes anormais que o indivíduo possui. (Ver imagem da secção 1, capítulo 2) Os sintomas são imperceptíveis em pessoas portadoras de um só gene anormal. Este gene controla a produção de uma proteína que regula a passagem de cloro e de sódio (sal) através das membranas celulares. Quando ambos os genes são anormais, esta passagem interrompe-se, provocando desidratação e aumento da viscosidade das secreções.
A fibrose quística afecta a quase totalidade das glândulas exócrinas (glândulas que segregam líquidos para o interior de um canal). As secreções são anormais e afectam o funcionamento glandular. Em algumas glândulas, como o pâncreas e as glândulas dos intestinos, as secreções são espessas ou sólidas e podem obstruir completamente a glândula. As glândulas que produzem muco nas vias aéreas dos pulmões fabricam secreções anormais que as obstruem, permitindo a multiplicação de bactérias. As glândulas sudoríparas, as glândulas parótidas e as pequenas glândulas salivares segregam líquidos cujo conteúdo em sal é superior ao normal.
Sintomas
Os pulmões são normais ao nascer, mas as perturbações respiratórias podem desenvolver-se em qualquer momento a partir do nascimento. As secreções brônquicas espessas obstruem, finalmente, as vias aéreas inferiores, causando a sua inflamação.
À medida que a doença avança, as paredes brônquica espessam-se, as vias aéreas enchem-se de secreções infectadas, algumas zonas do pulmão contraem-se (uma afecção denominada atelectasia) e os gânglios linfáticos aumentam de tamanho. Todas estas alterações reduzem a capacidade do pulmão para transferir o oxigénio para o sangue.
O íleo meconial, uma forma de obstrução intestinal nos recém-nascidos, verifica-se em 17 % dos que sofrem de fibrose quística. O mecónio, uma substância de cor verde-escura que aparece nas primeiras fezes de um recém-nascido, é espesso e o seu trânsito é mais lento que o normal. Se o mecónio for demasiado espesso, obstrui o intestino e a obstrução pode levar à perfuração da parede intestinal ou provocar uma hérnia do intestino.
O mecónio pode também formar tampões no intestino grosso ou no ânus, causando uma obstrução temporária. Os bebés que têm íleo meconial desenvolvem quase sempre outros sintomas de fibrose quística mais tarde.
O primeiro sintoma da fibrose quística no lactente que não tem íleo meconial é, muitas vezes, um escasso aumento de peso nas 4 ou 6 primeiras semanas. Uma quantidade insuficiente de secreções pancreáticas, que são essenciais a uma digestão adequada de gorduras e de proteínas, ocasiona uma digestão deficiente em 85 % dos bebés que sofrem de fibrose quística. As dejecções do bebé são frequentes, com fezes gordas, abundantes e de cheiro desagradável, e o bebé pode também ter um abdómen protuberante.
O crescimento é lento apesar de um apetite normal ou grande, e o bebé está magro e tem os músculos flácidos. O défice de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) pode provocar cegueira nocturna, raquitismo, anemia e perturbações hemorrágicas. Em 20 % das crianças que não recebem tratamento, o revestimento do intestino grosso sai pelo ânus, processo denominado prolapso rectal. Os bebés que foram alimentados com uma fórmula proteica de soja ou de leite materno podem desenvolver anemia e enfarte devido a não estar a absorver proteínas suficientes.
Cerca de metade das crianças com fibrose quística vêm à consulta médica pela primeira vez porque têm tosse, respiração sibilante e infecções do tracto respiratório. A tosse, o sintoma mais perceptível, é acompanhada, com frequência, de náuseas, vómitos e alterações do sono. À medida que a doença evolui, o tórax toma a forma de barril e a falta de oxigénio pode produzir dedos em forma de baqueta de tambor e pele azulada. Podem formar-se pólipos no nariz e uma sinusite com secreções espessas.
Os adolescentes têm, frequentemente, um atraso de crescimento e da puberdade e uma diminuição da resistência física. As complicações nos adultos podem ser um colapso pulmonar (pneumotórax), tosse com sangue e insuficiência cardíaca. A infecção constitui também um problema importante. As bronquites e as pneumonias recorrentes vão destruindo gradualmente os pulmões. A morte é, geralmente, consequência de uma combinação de insuficiência respiratória e cardíaca causadas pela doença pulmonar subjacente.
Cerca de 2 % a 3 % das pessoas que sofrem de fibrose quística desenvolvem diabetes e são insulinodependentes devido ao facto de o pâncreas cicatrizado já não ser capaz de produzir insulina suficiente. A obstrução dos canais biliares por secreções espessas pode causar inflamação do fígado e, finalmente, cirrose. Esta cirrose pode provocar um aumento da pressão nas veias que chegam ao fígado (hipertensão portal), conduzindo a uma dilatação das veias da extremidade inferior do esófago (varizes esofágicas). Esta alteração faz com que as veias possam romper-se e sangrar copiosamente.
Os indivíduos com fibrose quística, muitas vezes, têm problemas de fertilidade. 98 % dos homens adultos não produzem esperma ou produzem-no em pouca quantidade devido ao desenvolvimento anormal dos vasos deferentes. Nas mulheres, as secreções do colo uterino são demasiado viscosas, o que provoca uma diminuição da fertilidade.
As mulheres que sofrem de fibrose quística têm mais probabilidades de ter complicações durante a gravidez do que as mulheres não afectadas; apesar disso, muitas mulheres com fibrose quística tiveram filhos.
Quando se sua excessivamente num clima quente devido à febre, a pessoa corre o risco de se desidratar pela perda aumentada de sal e de água. Os pais podem notar a formação de cristais de sal na pele da criança, a qual pode mesmo ter um sabor salgado.
Diagnóstico
Nos recém-nascidos que sofrem de fibrose quística, a concentração do enzima tripsina no sangue é superior ao valor normal. Esta concentração pode ser medida numa gota de sangue recolhida num pedaço de papel de filtro. Embora este método se utilize em exames dos recém-nascidos, não é uma prova concludente para o diagnóstico da fibrose quística.
A prova quantitativa do suor com pilocarpina mede a quantidade de sal no suor. O fármaco pilocarpina é administrado para estimular a sudação de uma pequena zona de pele e, em seguida, coloca-se um pedaço de papel de filtro na zona para absorver o suor. Mede-se então a concentração de sal no suor. Uma concentração de sal acima dos valores normais confirma o diagnóstico nas pessoas que sofrem dos sintomas de fibrose quística ou que têm familiares que sofrem desta doença. Embora os resultados desta prova sejam válidos em bebés a partir das 24 horas de vida, há que ter em conta que recolher uma amostra de suor com tamanho suficiente de um bebé de 3 ou 4 semanas pode ser algo realmente difícil. A prova do suor pode também confirmar o diagnóstico em crianças mais velhas e em adultos.
Uma vez que a fibrose quística pode afectar vários órgãos, as provas complementares podem ajudar o médico a estabelecer o diagnóstico. Quando os valores dos enzimas pancreáticos são reduzidos, uma análise das fezes pode revelar a diminuição ou a ausência de enzimas digestivos, como tripsina e quimotripsina, ou um valor elevado de substâncias gordas. Quando se reduz a secreção de insulina, eleva-se a concentração de açúcar no sangue. As provas de função pulmonar (Ver secção 4, capítulo 32) podem determinar uma perturbação respiratória. Igualmente, uma radiografia ao tórax pode sugerir o diagnóstico.
Além dos pais, os familiares de uma criança que sofre de fibrose quística poderão estar interessados em saber se existe a probabilidade de ter filhos com esta doença. Os testes genéticos a partir de uma pequena amostra de sangue podem ajudar a determinar quem tem um gene anormal que provoca a fibrose quística. A não ser que ambos os pais tenham pelo menos um gene, os seus filhos não terão fibrose quística. Se ambos os pais forem portadores de um gene anormal que causa a fibrose quística, cada uma das gravidezes tem 25 % de probabilidade de que esta doença possa afectar o filho. De um modo geral, durante a gravidez é possível estabelecer um diagnóstico de fibrose quística no feto.
Prognóstico
A gravidade da fibrose quística varia muito de uma pessoa para outra, independentemente da idade, e está condicionada de forma muito significativa pela extensão do compromisso pulmonar. No entanto, a deterioração é inevitável, ocasionando um estado de debilidade e finalmente a morte. As perspectivas melhoraram progressivamente ao longo dos últimos 25 anos, devido especialmente ao facto de os tratamentos poderem agora controlar algumas das alterações que se verificam nos pulmões. Metade dos indivíduos com fibrose quística vivem mais de 28 anos. A probabilidade de sobrevivência a longo prazo é um pouco mais elevada nos homens, nas pessoas que não sofrem de perturbações do pâncreas e naquelas cujos sintomas iniciais se centram no aparelho digestivo. Apesar dos seus muitos problemas, os indivíduos afectados pela fibrose quística estão presentes na escola ou no trabalho, inclusive até pouco tempo antes de morrerem. A terapia genética é muito prometedora no tratamento da fibrose quística.
Tratamento
A terapia engloba a prevenção e o tratamento dos processos pulmonares, uma boa nutrição, a actividade física e o apoio psicológico e social. Os pais são, em parte, os responsáveis pelo tratamento das crianças com fibrose quística. Deve-se proporcionar-lhes uma informação pormenorizada para que conheçam a doença e as razões dos seus tratamentos.
O paciente deve ter um programa terapêutico complexo, dirigido por um médico experimentado e assistido por enfermeiras, um dietista, um trabalhador social, fisioterapeutas e terapeutas da respiração.
Um determinado tipo de enema pode aliviar um íleo meconial não complicado, mas se não for efectivo pode ser necessário recorrer a uma intervenção cirúgica. Tomar com regularidade fármacos que produzam líquido no intestino, como a lactose, pode ajudar a impedir que as fezes obstruam o tracto intestinal.
As pessoas que sofrem de insuficiência pancreática devem tomar substitutos de enzimas, disponíveis em pó (para os lactentes) e em cápsulas. A dieta deve fornecer calorias e proteínas suficientes para um crescimento normal. A proporção de gorduras deve ser de normal a elevada. Dado que os indivíduos que sofrem de fibrose quística não absorvem bem as gorduras, necessitam por isso de consumir mais gorduras do que o normal para assegurar um crescimento adequado.
Devem também multiplicar a dose diária habitual de multivitaminas e tomar vitamina E solúvel em água. Quando fazem exercício, quando têm febre ou estão expostos a um clima quente, têm de tomar suplementos de sal.
As formas de leite especial que contêm proteínas e gorduras de digestão fácil podem ajudar as crianças com problemas graves do pâncreas. As que não seguem um regime adequado podem necessitar de uma alimentação complementar, que se administra através de uma sonda introduzida no estômago ou no intestino delgado.
O tratamento das perturbações pulmonares é orientado para prevenir a obstrução das vias aéreas e controlar as infecções. A pessoa deve receber todas as imunizações habituais e a vacina contra a gripe porque as infecções virais podem aumentar a lesão pulmonar. A terapia respiratória, consistindo em drenagem postural, percussão e vibração e tosse assistida, inicia-se logo que surja o primeiro sintoma de perturbação pulmonar. (Ver secção 4, capítulo 31)
Os pais da criança podem aprender estes métodos e aplicá-los em casa todos os dias. As crianças mais velhas e os adultos podem efectuar a terapia respiratória de forma independente, utilizando aparelhos especiais para a respiração ou coletes de compressão.
Muitas vezes administram-se fármacos que ajudam a prevenir a contracção das vias aéreas (broncodilatadores). Os pacientes com doenças pulmonares graves e uma baixa concentração de oxigénio no sangue podem necessitar uma terapia complementar de oxigénio.
Geralmente, o uso de um ventilador não é muito útil para os indivíduos com insuficiência pulmonar; no entanto, períodos ocasionais e breves de respiração artificial podem ajudar durante as infecções graves sempre que a função pulmonar tenha sido normal antes de a infecção se produzir. Os fármacos em aerossol que ajudam a dissolver o muco (mucolíticos), como a recombinante da DNAse, usam-se amplamente, dada a sua capacidade para facilitar a tosse com expectoração e melhorar a função respiratória. Também diminuem a frequência das infecções pulmonares graves.
Não se comprovaram os benefícios das câmaras de vapor. Os corticosteróides podem aliviar os sintomas nos lactentes com inflamação brônquica aguda e em pessoas que têm as vias aéreas de tal modo estreitas que não se conseguem abrir com os broncodilatadores. Às vezes, usam-se outros fármacos anti-inflamatórios não esteróides, como o ibuprofeno, para retardar a deterioração da função pulmonar. As infecções pulmonares devem tratar-se o mais cedo possível com antibióticos. Ao primeiro sintoma de infecção pulmonar, recolhem-se amostras de expectoração, de modo que no laboratório se possa identificar o microrganismo infeccioso e o médico possa assim escolher os fármacos que têm maior probabilidade de o eliminar.
De um modo geral, administra-se um antibiótico por via oral ou prescreve-se tobramicina em aerossol. No entanto, quando a infecção é grave, podem ser necessários antibióticos por via endovenosa. Este tratamento requer, habitualmente, a hospitalização, mas também pode ser administrado em casa. A administração de antibióticos por via oral ou em aerossol de modo contínuo ajuda a prevenir as recidivas da infecção. A hemorragia em grande escala ou recorrente num pulmão pode tratar-se bloqueando a artéria responsável.
Pode necessitar-se de uma intervenção cirúrgica no caso de colapso de um lobo pulmonar (pneumotórax), sinusite crónica, infecção crónica numa parte do pulmão, hemorragia dos vasos sanguíneos do esófago, doença da vesícula biliar ou obstrução intestinal. O transplante de fígado deu bons resultados em casos de lesão hepática grave. O transplante de coração e de ambos os pulmões só se efectua no caso de uma grave doença cardíaca ou pulmonar.
Estes tipos de transplante estão a tornar-se mais sistemáticos, com bons resultados, devido à experiência e ao aperfeiçoamento dos métodos. Um ano depois do transplante, cerca de 75 % dos doentes sobrevivem e melhoram consideravelmente.
Os indivíduos que sofrem de fibrose quística morrem, geralmente, de insuficiência respiratória após muitos anos de deterioração da função pulmonar. No entanto, um número reduzido morre de uma doença de fígado, de uma hemorragia numa via respiratória ou de complicações posteriores a uma intervenção cirúrgica.
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