AVISO IMPORTANTE

"As informações fornecidas são baseadas em artigos científicos publicados. Os resumos das doenças são criados por especialistas e submetidos a um processo de avaliação científica. Estes textos gerais podem não se aplicar a casos específicos, devido à grande variabilidade de expressão da doença. Algumas das informações podem parecer chocantes. É fundamental verificar se a informação fornecida é relevante ou não para um caso em concreto.

"A informação no Blog Estudandoraras é atualizada regularmente. Pode acontecer que novas descobertas feitas entre atualizações não apareçam ainda no resumo da doença. A data da última atualização é sempre indicada. Os profissionais são sempre incentivados a consultar as publicações mais recentes antes de tomarem alguma decisão baseada na informação fornecida.

"O Blog estudandoraras não pode ser responsabilizada pelo uso nocivo, incompleto ou errado da informação encontrada na base de dados da Orphanet.

O blog estudandoraras tem como objetivo disponibilizar informação a profissionais de cuidados de saúde, doentes e seus familiares, de forma a contribuir para o melhoramento do diagnóstico, cuidados e tratamento de doenças.

A informação no blog Estudandoraras não está destinada a substituir os cuidados de saúde prestados por profissionais.

sábado, 26 de maio de 2012

DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO


DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO
ALICE REICHERT, T. CORREIA, O. FREITAS, T. ALMEIDA, LINO ROSADO
Unidade de Imunohematologia. Hospital de Dona Estefânia. Lisboa.
Recebido para publicação: 19 de Fevereiro de 2004
R E S U M O
S U M M A R Y
A doença de Kikuchi e Fujimoto, também conhecida como Linfadenite Histiocítica
Necrosante, é uma entidade clínico-patológica rara cuja etiologia permanece
desconhecida; tem sido sugerida a possibilidade de uma etiologia auto-imune, mas
também tem sido descrita a associação com algumas infecções víricas.
Os autores apresentam o caso clínico de uma adolescente de 14 anos internada por
febre persistente, volumosa tumefacção cervical e alteração do estado geral.
Dos exames complementares efectuados a citologia aspirativa e a biopsia ganglionar
levaram ao diagnóstico da doença de Kikuchi e Fujimoto.
Após a instituição da corticoterapia, verificou-se uma notória melhoria do quadro clínico.
Palavras chave: Doença de Kikuchi, Biopsia Ganglionar, Corticoterapia.
KIKUCHI - FUJIMOTO DISEASE
Kikuchi and Fujimoto’s disease, also known as histiocytic necrotizing lymphadenopathy,
is a rare and benign disorder of the lymph nodes of young adults. The etiology of this
disease is unknown, an autoimmune mechanism has been suggested, although some
cases of association with several viruses has been described.
We report a pediatric case of Kikuchi and Fujimoto’s disease in a 14 years old girl with
persistent fever, enlarged cervical lymph node and weight loss.
A diagnosis of Kikuchi and Fujimoto’s disease was made by cervical lymph node
histology.
We present a case of Kikuchi and Fujimoto disease that benefited significantly from
steroids.
Key words: Kikuchi’s Disease, Lymph node Histology, Steroids232
ALICE REICHERT, T. et al
INTRODUÇÃO
A doença de Kikuchi e Fujimoto é uma entidade
nosológica rara, tendo sido descrito o primeiro caso, em
1972
1
, no Japão.
Afecta preferencialmente o sexo feminino, na razão de
4:1
2
 e compreende uma faixa etária dos 20 aos 30 anos
3
. A
etiologia não está esclarecida, embora tenha sido sugerida
a causa auto-imune. Também está descrita como associada a infecções por vírus.
O   d i a g n ó s t i c o   d e f i n i t i v o   é   d a d o   p o r   e x a m e
histopatológico
4
, caracterizando-se por uma destruição da
estrutura ganglionar com áreas de necrose circunscritas
ao paracórtex com detritos nucleares que determinam uma
marcada reacção dos macrófagos
5,6
.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino, de 14 anos de idade,
caucasiana, internada na Unidade de Imunohematologia
do Hospital de Dona Estefânia por tumefacção cervical e
febre.
Duas semanas antes do internamento iniciou quadro
de febre alta (39ºC) de difícil controlo com os antipiréticos,
tumefacção cervical à direita, de aumento progressivo,
dolorosa, emagrecimento acentuado (5 Kg) e astenia
marcada. Tinha entretanto sido medicada pelo seu médico
a s s i s t e n t e   c om  a   a s s o c i a ç ã o  Amo x i c i l i n a   e  Ác i d o
clavulânico.
Os antecedentes pessoais e familiares não eram relevantes.
À entrada na Unidade a doente apresentava mau estado ge r a l ,   a s t eni a  ma r c ada ,   f ebr e   (38ºC) ,  volumos a
adenomegália cervical direita junto ao ângulo maxilar, muito dolorosa, de consistência dura e móvel, pequenos
gânglios duros e dolorosos homolaterais a nível do escav a d o   s u p r a - c l a v i c u l a r,   h i p e r emi a   ami g d a l i n a   s em
exsudados e abdómen sem organomegálias.
Dos   exame s   e f e c tuados   à   ent r ada  de s t a c am- s e :
leucopenia (2.60x10
3
/¼l) com neutropenia (0.90x10
3
/¼l),
sem anemia e trombocitopenia. Velocidade de sedimenta-
ção de 42mm na primeira hora. As funções hepática e renal
eram normais, LDH 1027 IU/ml; ²2 microglobulina 4000 ¼g/
l. A ecografia cervical mostrou duas imagens ganglionares muito vascularizadas e sem necrose com cerca de 5,5cm
de diâmetro na região submaxilar direita. A ecografia abdominal revelou fígado e baço dentro dos limites da normalidade. Face a estes dados a doente ficou internada.
Foram consideradas como hipóteses diagnósticas mais
prováveis: adenofleimão e doença da arranhadela do gato,
embora não se tenha excluído doença linfoproliferativa. A
s e r o l o g i a   p a r a   B a r t o n e l l a   s p p  f o i   n e g a t i v a .   A s
hemoculturas foram positivas para  Streptococcus ±-
-hemolítico sensível às cefalosporinas. A pesquisa de
micobactérias típicas e atípicas foi negativa. Os testes
imunológicos ANA, anti-DNA, ASMA, APCA, AMA foram negativos. O doseamento de Imunoglobulinas e complemento foi normal.
O mielograma e a biopsia óssea não mostraram sinais
de doença linfo ou mieloproliferativa; apenas o mielograma
mostrou algum grau de displasia medular. A citometria de
f luxo do  s angue  medul a r  não mos t rou ma r c ador e s
monoclonais de doença linfoproliferativa.
A citologia aspirativa do gânglio submentoniano mostrou uma população linfóide heterogénea com áreas de
necrose e numerosos histiocitos com citoplasma esponjoso, e actividade fagocitária evidente, compatível com
linfadenite necrotizante. A biopsia do gânglio cervical direito confirmou o diagnóstico de Doença de Kikuchi tipo
necrosante.
Ao 18º dia de internamento observou-se agravamento
clínico caracterizado por aumento do volume e número
das adenomegálias, com as mesmas características na região cervical e supra-clavicular direita, atingindo sucessiv a m e n t e   a s   c a d e i a s   c e r v i c a l   e   s u p r a c l a v i c u l a r
contralaterais, axilar e inguinal esquerda; manutenção de
febre alta que cedia mal aos antipiréticos e aparecimento
de exantema máculo-papular, eritematoso, aveludado,
coalescente, céfalo-caudal com duração de três dias, iniciou corticoterapia com Deflazacort (1,5 mg/kg/d).
Observou-se notória melhoria do quadro clínico (regressão gradual da dor e do volume das adenomegálias) e
laboratorial, ficando a doente apirética ao terceiro dia de
corticoterapia (21º dia de internamento).
DISCUSSÃO
A doença de Kikuchi e Fujimoto é uma doença rara, na
qual têm sido descritas associações com os vírus de
Epstein Barr
7
, Citomegalovírus, Herpes simplex tipo 6,
HTLV 1
8
, e Parvovírus B19
9
.
Também tem sido sugerida etiologia auto-imune dada
a semelhança clínica com o Lúpus Eritematoso Disseminado (LED)
10
, podendo coexistir ou evoluir para o LED
justificando-se a vigilância destes doentes, através de testes imunológicos como os ANA’s em todos os doentes
com doença de Kikuchi e Fujimoto. Estão descritos na
literatura casos de associação da doença de Kikuchi e
Fujimoto com as seguintes entidades: doença de Still do
a d u l t o ,   p o l imi o s i t e ,   d o e n ç a   p u lmo n a r   i n t e r s t i c i a l ,
esclerodermia, vasculite, uveíte, e tiroidite
11
.
A   a p r e s e n t a ç ã o   i n i c i a l   m a i s   f r e q u e n t e   s ã o
adenomegálias na região cervical posterior, podendo exis-233
DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO
t i r   r a r a m e n t e ,   e n v o l v i m e n t o   a x i l a r,   m e s e n t é r i c o ,
mediastínico, inguinal, intraparotídeo, ilíaco, celíaco, e
peripancreático
12
. Habitualmente estas adenopatias são
indolores, unilaterais e acompanhadas de febre alta
13
. Rash
urticariforme generalizado foi descrito em 25% dos casos
podendo também estar presente o rash malar em forma de
asa de borboleta
14
. Outras manifestações clínicas menos
frequentes incluem astenia, emagrecimento, sudação,
m i a l g i a s ,   a r t r a l g i a s ,   n á u s e a s ,   v ó m i t o s ,   d i a r r e i a   e
hepatoesplenomegália.
Laboratorialmente há neutropenia em 50% dos casos
associada ou não a linfocitose, trombocitopenia, velocidade de sedimentação e•60mm na primeira hora em 70%
dos casos, elevação da LDH15
, bem como aumento das
transaminases
16
. Podem apresentar ANA, anti-RNP, anti
DNA e anticoagulante lúpico positivos
17
.
O diagnóstico diferencial é feito com: linfoma
18
, podendo em cerca de 30% dos casos
19
 ser confundido com o
último, nos seus estádios iniciais (a imunofenotipagem
mostra uma população neoplásica monoclonal; a histologia
revela presença de imunoblastos, histiocitos atípicos e
perda da arquitectura do gânglio linfático), adenites infecciosas como: tuberculose (granulomas epitelióides, células de Langhans gigantes e necrose caseosa – são a favor
de tuberculose), adenites por micro abcessos (doença da
arranhadela do gato), toxoplasmose, infecção por Yersínia
e Lúpus Eritematoso Disseminado
20
.
O   d i a g n ó s t i c o   d e f i n i t i v o   é   e s t a b e l e c i d o   p e l a
histopatologia (biopsia ganglionar), podendo definir-se
três estádios histológicos
21
:
• Proliferativo ou inicial: no qual se observam numerosas células mononucleares atípicas.
• Necrosante: é o mais frequente, sendo encontrados
numerosos histiocitos.
• Xantomatosa: estádio pós-necrótico.
Os estudos imunohistoquímicos mostram que a lesão
é composta por histiocitos CD15+, células T CD4+ (nos
estádios iniciais), e células T CD8+ (nos estádios tardios)
com relativa escassez de células B e células NK22
.
A terapêutica é sintomática, não há resposta aos antibióticos, e a corticoterapia é reservada aos casos com clí-
nica grave e persistente
23
.
A evolução geralmente é benigna com regressão da
sintomatologia em três meses
24
 ou depende da doença
associada como é o caso do Lúpus Eritematoso Disseminado. A recorrência da doença é rara ocorrendo em 2 a 3%
dos doentes, e na grande maioria dos casos tem sido observada em poucas semanas após o primeiro episódio
25
.
Os casos fatais são uma excepção
26
.
O caso clínico apresentado trata de uma adolescente
com doença de Kikuchi e Fujimoto do tipo necrosante
diagnosticada através de biopsia ganglionar, na qual foi
instituída terapêutica com corticóides por se tratar de um
caso com clínica grave, nomeadamente apresentação de
adenomegálias muito dolorosas, bilaterais, com envolvimento de várias cadeias ganglionares, acompanhadas de
febre alta com pouca resposta aos antipiréticos, bem como
emagrecimento acentuado e aparecimento de exantema
máculo-papular. A terapêutica com corticóides permitiu
uma rápida melhoria clínica e laboratorial.
Este caso clínico reforça a importância do diagnóstico
histopatológico, dado tratar-se de uma situação na qual
não deverá ser instituída terapêutica empírica, sendo esta
potencialmente tóxica.
BIBLIOGRAFIA
1 FUJIMOTO Y, KOZIMA Y, YAMAGUCHI K: Cervical subacute
necrotizing lymphadenitis: a new clinicopathologic entity. Naika
1 9 7 2 ;   2 0 : 9 2 0 - 7 .
2 TSANG WYW, CHAN JKC: Kikuchi’s lymphadenitis: A morphologic analysis of 75 cases with special references to unusual
features. Am J Surg Pathol 1994; 18: 219-231.
3 TURNER R, MARTIN J, DORFMAN RF: Necrotizing lymphadenitis - a study of 30 cases. Am J Surg Pathol 1983; 7: 115-23.
4 TAKAKUWA T, OHNUMA S, KOIKE J et al: Involvement of
cell-mediated killing in apoptosis in histiocytic necrotizing lymphadenitis (Kikuchi-Fujimoto disease). Histopathology 1996; Jan
28(1) :  41-8.
5 ROZWENS A, MOLSKA M, KARLINSKA M, KLICKI G: Histiocytic necrotizing lymphadenitis (Kikuchi disease): a case report. Pol Merkuriusz Lek 2001;11(63): 259-60.
6   M A H A D E VA   U ,   A L L P O RT   T,   B A I N   B ,   C H A N   W K :
Haemophagocytic syndrome and histiocytic necrotizing (Kikuchi’s
disease). J Clin Pathol 2000; 53 (8): 636-8.
7 HUDNALL SD: Kikuchi-Fujimoto disease: Is Epstein-Barr Virus
the Culprit? Am J Clin Pathol 2000; 113:761-4.
8 BATAILLE V, HARLAND C, BEHRENS J et al: Kikuchi disease
(histiocytic necrotizing lymphadenitis) in association with HTLV
1. Br J Dermatol 1997; 136(4):610-2.
9   J O H N S O N   L B ,   PA S U M A RT H Y   A ,   S A R AV O L AT Z   L D :
Pa rvovi rus  B19  inf e c t ion pr e s ent ing wi th ne c rot i z ing  lymphadenitis. Am J Med 2003; 114(4): 340-1.
10 LORENZO HA, GAMALLO AC, ORTEGA L et al: Linfadenitis
ne c rot i z ant e  hi s t ioc i t a r i a :   enf e rmedad de  Kikuchi -Fuj imoto.  A
propósito de 6 casos. An Med Int 1999; 16:301-4.
11 FAMULARO G, GIUSTINIANI MC, MARASCO A et al: American Journal of Hematology 2003; 74: 60-63.
12 DORFMAN RF, BERRY GJ: Kikuchi’s histiocytic necrotizing
lymphadenitis: an analysis of 108 cases with emphasis on differential diagnosis. Semin Diagn Pathol 1988; 5: 329-345.
13 ROGER LS, FERRY JA: A 24- year old woman with cervical
lymphadenopathy, fever and leukopenia. NEJM 1997; 13 number
7; vol 336: 492-499.
1 4   LOP E Z   C ,  OL IVI E R  M,  OLAVAR R IA  R ,   SARAB IA MA,
CHOPITE M: Kikuchi-Fujimoto necrotizing lymphadenitis associated with cutaneous lupus erythematosus: a case report. Am J234
De rma t o p a t h o l   2 0 0 0 ;   2 2 ( 4 ) :   3 2 8 - 3 3 .
15 KIKUCHI M, TAKESHITA M, EIMOTO T et al: Histiocytic
necrotizing lymphadenitis: clinicopathologic, immunologic, and
HLA typing study. In: Hanaoka M, Kadin ME, Mikata A et al, eds.
Lymphoid Malignancy: Immunocytology and Cytogenetics. New
York, NY: Field and Wood 1990; 251-257.
16 SIERRA ML, VEGAS E, BLANCO-GONZALES J et al: Kikuchi’s
disease with multisystemic involvement and adverse reactions to
drugs. Pediatrics 1999; 104(2): 24.
17 PAPAIONNOU G, SPELETAS M, KALOUTSI V et al: Histiocytic necrotizing lymphadenitis (Kikuchi-Fujimoto disease) associated with antiphospholipid syndrome: a case report and literature review. Ann Hematol 2002; 81(12): 732-735.
18 EMIR S, GOGUS S, GULER E et al: Kikuchi-Fujimoto disease
(histiocytic necrotizing lymphadenitis) confused with lymphoma
in a child. Med Pediatr Oncol 2001; 37(6): 546-8.
19 RAM CA, GITA S: Kikuchi-Fujimoto Disease in Nepal: A study
of 6 cases. Arch Pathol Lab Med 2003; 127 (10): 1345-1348.
20 KHAROUBI S: Kikuchi-Fujimoto disease and systemic lupus
erythematous. Ann Med Interne 2000; 151 (4): 316-9.
21 KUO TT: Kikuchi disease (histyocytic necrotizing lymphadenitis): a clinicopathologic study of 79 cases with analysis of histologic subtypes, immunohistology, and DNA ploidy. Am J Surg
Pa thol  1995;  19:  798-809.
22 OHSHIMA K, KIKUCHI M, SUNIYOSHI Y et al: Proliferating
cells in histiocytic necrotizing lymphadenitis. Virchows Arch B
Cell Pathol Incl Mol Pathol 1991; 61: 97-100.
23 JANG YJ, PARK KH, SEOK HJ: Management of Kikuchi disease using glucocorticoid. J Laryngol Otol 2000; 114(9): 709-11.
24 KIKUCHI M: Histiocytic necrotizing lymphadenitis (Kikuchi-
-Fujimoto disease) in Japan. Am J Surg Pathol 1991; 15: 197-198.
25 MOHANTY SK,  ARORA R,  SAHA M:  Kikuchi   -  Fuj imoto
disease: an overview. J Dermatol 2002; 29: 10-14.
26 CHAN JK, WONG KC: A fatal case of mulicentric Kikuchi’s
hi s t iocyt i c  ne c rot i z ing  lymphadeni t i s .  Canc e r  1989;  63:  1856-