PORFIRIAS AGUDAS – CONDUTAS NA CRISE AGUDA
As
porfirias agudas constituem um complexo grupo de doenças hereditárias
metabólicas de caráter autossômico dominante. As doenças hereditárias
metabólicas, também conhecidas como erros inatos do metabolismo (EIM),
constituem um grupo heterogêneo de defeitos genéticos que afetam a síntese,
degradação, processamento e transporte de moléculas no organismo. A maioria dos
EIM é de herança recessiva, ou seja, é preciso que existam dois genes mutados
para ocasionar a doença; no caso das porfirias agudas, a presença de um gene
mutante já pode ocasionar em sintomas clínicos,
embora saibamos que, por exemplo, no caso da porfiria aguda intermitente
(PAI), cerca de 70% dos pacientes com a
mutação presente não manifestam sinais da doença, o que sugere que outros
fatores – como os ambientais – também são responsáveis pelo deflagrar da “crise
porfirica”. A única porfiria aguda que não é de herança dominante é a rara
deficiência de ALA desidratase, com poucos casos descritos no mundo. Apenas
duas porfirias agudas têm sintomas de pele, o que causa confusão em muitos
clínicos com a porfiria cutânea tarda (PCT) – no entanto, as lesões de pele nas
porfirias agudas são muito diferentes da PCT e são geralmente caracterizadas
por aparecimento de pequenas vesículas em áreas fotoexpostas.
As
manifestações clínicas das porfirias agudas decorrem dos distúrbios na via
biossintética do heme, causados por deficiência de enzimas que deveriam
funcionar na rota metabólica dessa substância. Em decorrência disso, surgem
metabólitos tóxicos, responsáveis pelos sintomas característicos desse grupo de
doenças. Essas manifestações usualmente envolvem o sistema nervoso periférico e
o central, causando alterações comportamentais, dor visceral, neuropatia motora
com paralisia da musculatura esquelética e crises convulsivas. Há vários sinais
clínicos que devem levar o médico a pensar em crise de porfiria: dor abdominal,
alteração da cor da urina, mudança no ritmo intestinal, déficit motor ou
sensitivo-motor, vômitos, alteração do nível de consciência ou confusão mental,
crises convulsivas, quadros disautonômicos cardio-vasculares e distúrbios
psiquiátricos. Diante desses sintomas, é fundamental se realizar os testes
bioquímicos no paciente.
O
diagnóstico bioquímico das porfirias agudas baseia-se na excreção urinária
elevada dos precursores das porfirinas ácido delta-aminolevulínico e
porfobilinogênio, além do aumento de porfirinas plasmáticas. Deve-se lembrar que o exame mais importante
para confirmar-se o “estado de crise” não é a quantificação das porfirinas
plasmáticas ou urinárias, mas sim o aumento do ácido delta-aminolevulínico (que
estará aumentado em todas as formas de porfiria aguda) e a quantificação do porfobilionogênio. O aumento das porfirinas, embora usual na descompensação
do paciente com porfiria, pode ou não ser constatado em uma crise aguda. A pesquisa de porfobilinogênio pode
ser feita como um teste rápido de grande sensibilidade para se verificar se um
paciente está em crise aguda.
Recomenda-se
que os pacientes, em vigência de alterações sugestivas de aumento dos
metabólitos causadores da porfiria, façam uso de infusão endovenosa lenta de glicose de 300-400g/dia , cujo efeito
consiste na inibição da enzima ALA
sintetase e assim diminuir a produção dos metabólitos tóxicos que se
acumulariam nos passos subseqüentes da cadeia metabólica. Essa infusão pode ser
feita em ambiente hospitalar e, após a mesma, estando o paciente em bom estado geral, sem fraqueza motora ou sinais
disautonômicos significativos, é possível continuar a reposição da glicose
em sua casa, procurando-se incrementar o
aporte calórico com 200g via oral e realização de dieta rica em carboidratos.
Para
pacientes com sintomas crônicos ou com sinais de neuropatia motora, é
imprescindível o uso da hematina
(3-4mg/kg/dia). A hematina serviria como bloqueador bioquímico da via
metabólica, produzindo-se um feedback negativo no fígado, evitando-se, assim, o aumento dos precursores do heme. Em uma
situação de crise aguda de porfiria, não responsiva à infusão de glicose com a
concomitante reposição oral, o a hematina torna-se uma medicação essencial para o tratamento do paciente. O conhecimento
do clínico dos sintomas que indiquem piora da crise – como fraqueza muscular e
piora da disautonomia – é crucial para que se administre a hematina em tempo
hábil.
O tratamento das dores abdominais deve
ser feito com medicações não-porfirinogênicas (vide lista de drogas seguras e
inseguras na porfiria aguda no apêndice) como a clorpromazina (Amplictil) ou outros fenotiazínicos (que
atuam provavelmente através da inibição da atividade autonômica). Essas
medicações são eficientes também no combate a outros sintomas que podem estar
associados a uma crise aguda ou descompensação metabólica decorrente do aumento
das porfirias como ansiedade, náuseas
e vômitos.
O quadro álgico também é
efetivamente combatido com o uso de narcóticos como codeína, meperidina ou morfina. A hiperatividade adrenérgica
(manifestada na hipertensão e na taquicardia) pode estar presente durante uma
descompensação e é controlada com bloqueadores
beta-adrenérgicos (propranolol)
. Deve-se lembrar de fazer controle
regular da pressão arterial e da freqüência cardíaca do paciente porfírico
durante o período da crise ao menos de 8 em 8 horas. Ansiedade e insônia
podem ser tratadas com lorazepan e
hidrato de cloral. A lactulose e a neostigmina podem ser usadas nos casos
paciente com obstipação mais grave. Por último, deve-se lembrar de dosar sódio, potássio e magnésio – evitando-se
a todo custo a hiponatremia que pode levar a crises convulsivas no paciente
porfírico.
Embora ainda controverso, o uso
via oral da cimetidina , quando o
tratamento com a hematina não estiver disponível, na dose de 400mg ( duas vezes ao dia)
aparenta ser útil em crises de porfiria por inibição da rota metabólica
da P-450 , podendo evitar o stress hepático que leva ao aumento dos precursores
do heme . Durante a crise aguda, pode-se
usar dose de ataque de 300mg, IV, durante 3 a 4 dias, uma vez ao dia , com
lenta infusão (8 horas). Não sendo
possível o uso IV, há a possibilidade de administração via oral, na dose de 400
a 800mg enquanto o paciente estiver em crise.
Charles Marques Lourenço
CRM 110991 - Médico Geneticista