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sábado, 26 de maio de 2012

DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO


DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO
ALICE REICHERT, T. CORREIA, O. FREITAS, T. ALMEIDA, LINO ROSADO
Unidade de Imunohematologia. Hospital de Dona Estefânia. Lisboa.
Recebido para publicação: 19 de Fevereiro de 2004
R E S U M O
S U M M A R Y
A doença de Kikuchi e Fujimoto, também conhecida como Linfadenite Histiocítica
Necrosante, é uma entidade clínico-patológica rara cuja etiologia permanece
desconhecida; tem sido sugerida a possibilidade de uma etiologia auto-imune, mas
também tem sido descrita a associação com algumas infecções víricas.
Os autores apresentam o caso clínico de uma adolescente de 14 anos internada por
febre persistente, volumosa tumefacção cervical e alteração do estado geral.
Dos exames complementares efectuados a citologia aspirativa e a biopsia ganglionar
levaram ao diagnóstico da doença de Kikuchi e Fujimoto.
Após a instituição da corticoterapia, verificou-se uma notória melhoria do quadro clínico.
Palavras chave: Doença de Kikuchi, Biopsia Ganglionar, Corticoterapia.
KIKUCHI - FUJIMOTO DISEASE
Kikuchi and Fujimoto’s disease, also known as histiocytic necrotizing lymphadenopathy,
is a rare and benign disorder of the lymph nodes of young adults. The etiology of this
disease is unknown, an autoimmune mechanism has been suggested, although some
cases of association with several viruses has been described.
We report a pediatric case of Kikuchi and Fujimoto’s disease in a 14 years old girl with
persistent fever, enlarged cervical lymph node and weight loss.
A diagnosis of Kikuchi and Fujimoto’s disease was made by cervical lymph node
histology.
We present a case of Kikuchi and Fujimoto disease that benefited significantly from
steroids.
Key words: Kikuchi’s Disease, Lymph node Histology, Steroids232
ALICE REICHERT, T. et al
INTRODUÇÃO
A doença de Kikuchi e Fujimoto é uma entidade
nosológica rara, tendo sido descrito o primeiro caso, em
1972
1
, no Japão.
Afecta preferencialmente o sexo feminino, na razão de
4:1
2
 e compreende uma faixa etária dos 20 aos 30 anos
3
. A
etiologia não está esclarecida, embora tenha sido sugerida
a causa auto-imune. Também está descrita como associada a infecções por vírus.
O   d i a g n ó s t i c o   d e f i n i t i v o   é   d a d o   p o r   e x a m e
histopatológico
4
, caracterizando-se por uma destruição da
estrutura ganglionar com áreas de necrose circunscritas
ao paracórtex com detritos nucleares que determinam uma
marcada reacção dos macrófagos
5,6
.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino, de 14 anos de idade,
caucasiana, internada na Unidade de Imunohematologia
do Hospital de Dona Estefânia por tumefacção cervical e
febre.
Duas semanas antes do internamento iniciou quadro
de febre alta (39ºC) de difícil controlo com os antipiréticos,
tumefacção cervical à direita, de aumento progressivo,
dolorosa, emagrecimento acentuado (5 Kg) e astenia
marcada. Tinha entretanto sido medicada pelo seu médico
a s s i s t e n t e   c om  a   a s s o c i a ç ã o  Amo x i c i l i n a   e  Ác i d o
clavulânico.
Os antecedentes pessoais e familiares não eram relevantes.
À entrada na Unidade a doente apresentava mau estado ge r a l ,   a s t eni a  ma r c ada ,   f ebr e   (38ºC) ,  volumos a
adenomegália cervical direita junto ao ângulo maxilar, muito dolorosa, de consistência dura e móvel, pequenos
gânglios duros e dolorosos homolaterais a nível do escav a d o   s u p r a - c l a v i c u l a r,   h i p e r emi a   ami g d a l i n a   s em
exsudados e abdómen sem organomegálias.
Dos   exame s   e f e c tuados   à   ent r ada  de s t a c am- s e :
leucopenia (2.60x10
3
/¼l) com neutropenia (0.90x10
3
/¼l),
sem anemia e trombocitopenia. Velocidade de sedimenta-
ção de 42mm na primeira hora. As funções hepática e renal
eram normais, LDH 1027 IU/ml; ²2 microglobulina 4000 ¼g/
l. A ecografia cervical mostrou duas imagens ganglionares muito vascularizadas e sem necrose com cerca de 5,5cm
de diâmetro na região submaxilar direita. A ecografia abdominal revelou fígado e baço dentro dos limites da normalidade. Face a estes dados a doente ficou internada.
Foram consideradas como hipóteses diagnósticas mais
prováveis: adenofleimão e doença da arranhadela do gato,
embora não se tenha excluído doença linfoproliferativa. A
s e r o l o g i a   p a r a   B a r t o n e l l a   s p p  f o i   n e g a t i v a .   A s
hemoculturas foram positivas para  Streptococcus ±-
-hemolítico sensível às cefalosporinas. A pesquisa de
micobactérias típicas e atípicas foi negativa. Os testes
imunológicos ANA, anti-DNA, ASMA, APCA, AMA foram negativos. O doseamento de Imunoglobulinas e complemento foi normal.
O mielograma e a biopsia óssea não mostraram sinais
de doença linfo ou mieloproliferativa; apenas o mielograma
mostrou algum grau de displasia medular. A citometria de
f luxo do  s angue  medul a r  não mos t rou ma r c ador e s
monoclonais de doença linfoproliferativa.
A citologia aspirativa do gânglio submentoniano mostrou uma população linfóide heterogénea com áreas de
necrose e numerosos histiocitos com citoplasma esponjoso, e actividade fagocitária evidente, compatível com
linfadenite necrotizante. A biopsia do gânglio cervical direito confirmou o diagnóstico de Doença de Kikuchi tipo
necrosante.
Ao 18º dia de internamento observou-se agravamento
clínico caracterizado por aumento do volume e número
das adenomegálias, com as mesmas características na região cervical e supra-clavicular direita, atingindo sucessiv a m e n t e   a s   c a d e i a s   c e r v i c a l   e   s u p r a c l a v i c u l a r
contralaterais, axilar e inguinal esquerda; manutenção de
febre alta que cedia mal aos antipiréticos e aparecimento
de exantema máculo-papular, eritematoso, aveludado,
coalescente, céfalo-caudal com duração de três dias, iniciou corticoterapia com Deflazacort (1,5 mg/kg/d).
Observou-se notória melhoria do quadro clínico (regressão gradual da dor e do volume das adenomegálias) e
laboratorial, ficando a doente apirética ao terceiro dia de
corticoterapia (21º dia de internamento).
DISCUSSÃO
A doença de Kikuchi e Fujimoto é uma doença rara, na
qual têm sido descritas associações com os vírus de
Epstein Barr
7
, Citomegalovírus, Herpes simplex tipo 6,
HTLV 1
8
, e Parvovírus B19
9
.
Também tem sido sugerida etiologia auto-imune dada
a semelhança clínica com o Lúpus Eritematoso Disseminado (LED)
10
, podendo coexistir ou evoluir para o LED
justificando-se a vigilância destes doentes, através de testes imunológicos como os ANA’s em todos os doentes
com doença de Kikuchi e Fujimoto. Estão descritos na
literatura casos de associação da doença de Kikuchi e
Fujimoto com as seguintes entidades: doença de Still do
a d u l t o ,   p o l imi o s i t e ,   d o e n ç a   p u lmo n a r   i n t e r s t i c i a l ,
esclerodermia, vasculite, uveíte, e tiroidite
11
.
A   a p r e s e n t a ç ã o   i n i c i a l   m a i s   f r e q u e n t e   s ã o
adenomegálias na região cervical posterior, podendo exis-233
DOENÇA DE KIKUCHI E FUJIMOTO
t i r   r a r a m e n t e ,   e n v o l v i m e n t o   a x i l a r,   m e s e n t é r i c o ,
mediastínico, inguinal, intraparotídeo, ilíaco, celíaco, e
peripancreático
12
. Habitualmente estas adenopatias são
indolores, unilaterais e acompanhadas de febre alta
13
. Rash
urticariforme generalizado foi descrito em 25% dos casos
podendo também estar presente o rash malar em forma de
asa de borboleta
14
. Outras manifestações clínicas menos
frequentes incluem astenia, emagrecimento, sudação,
m i a l g i a s ,   a r t r a l g i a s ,   n á u s e a s ,   v ó m i t o s ,   d i a r r e i a   e
hepatoesplenomegália.
Laboratorialmente há neutropenia em 50% dos casos
associada ou não a linfocitose, trombocitopenia, velocidade de sedimentação e•60mm na primeira hora em 70%
dos casos, elevação da LDH15
, bem como aumento das
transaminases
16
. Podem apresentar ANA, anti-RNP, anti
DNA e anticoagulante lúpico positivos
17
.
O diagnóstico diferencial é feito com: linfoma
18
, podendo em cerca de 30% dos casos
19
 ser confundido com o
último, nos seus estádios iniciais (a imunofenotipagem
mostra uma população neoplásica monoclonal; a histologia
revela presença de imunoblastos, histiocitos atípicos e
perda da arquitectura do gânglio linfático), adenites infecciosas como: tuberculose (granulomas epitelióides, células de Langhans gigantes e necrose caseosa – são a favor
de tuberculose), adenites por micro abcessos (doença da
arranhadela do gato), toxoplasmose, infecção por Yersínia
e Lúpus Eritematoso Disseminado
20
.
O   d i a g n ó s t i c o   d e f i n i t i v o   é   e s t a b e l e c i d o   p e l a
histopatologia (biopsia ganglionar), podendo definir-se
três estádios histológicos
21
:
• Proliferativo ou inicial: no qual se observam numerosas células mononucleares atípicas.
• Necrosante: é o mais frequente, sendo encontrados
numerosos histiocitos.
• Xantomatosa: estádio pós-necrótico.
Os estudos imunohistoquímicos mostram que a lesão
é composta por histiocitos CD15+, células T CD4+ (nos
estádios iniciais), e células T CD8+ (nos estádios tardios)
com relativa escassez de células B e células NK22
.
A terapêutica é sintomática, não há resposta aos antibióticos, e a corticoterapia é reservada aos casos com clí-
nica grave e persistente
23
.
A evolução geralmente é benigna com regressão da
sintomatologia em três meses
24
 ou depende da doença
associada como é o caso do Lúpus Eritematoso Disseminado. A recorrência da doença é rara ocorrendo em 2 a 3%
dos doentes, e na grande maioria dos casos tem sido observada em poucas semanas após o primeiro episódio
25
.
Os casos fatais são uma excepção
26
.
O caso clínico apresentado trata de uma adolescente
com doença de Kikuchi e Fujimoto do tipo necrosante
diagnosticada através de biopsia ganglionar, na qual foi
instituída terapêutica com corticóides por se tratar de um
caso com clínica grave, nomeadamente apresentação de
adenomegálias muito dolorosas, bilaterais, com envolvimento de várias cadeias ganglionares, acompanhadas de
febre alta com pouca resposta aos antipiréticos, bem como
emagrecimento acentuado e aparecimento de exantema
máculo-papular. A terapêutica com corticóides permitiu
uma rápida melhoria clínica e laboratorial.
Este caso clínico reforça a importância do diagnóstico
histopatológico, dado tratar-se de uma situação na qual
não deverá ser instituída terapêutica empírica, sendo esta
potencialmente tóxica.
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