Durante seis anos, a professora Suely Moreira Walton, de 59 anos, moradora de Santos, trocou presentes e cartas anonimamente com uma garota de 11 que morava em Campinas. Para Suely, a menina era como uma filha. Para a menina, Suely era a mulher que lhe devolveu a vida.
Filipe Araújo/AE
A professora Suely Moreira Walton, 59, foi uma das únicas doadoras chamadas duas vezes
Isso porque em 1995 Suely doou anonimamente sua medula óssea para a menina Alline Favoretto, que sofria de anemia de Fanconi - uma doença genética que aumenta a predisposição para o desenvolvimento de leucemia. Ela precisava de um transplante de medula com urgência, pois, de acordo com as previsões médicas, teria poucos meses de vida sem a cirurgia.
A chance de encontrar um doador de medula compatível é de 25% entre irmãos e familiares. Entre desconhecidos, essa chance cai para 1 caso a cada 100 mil. Por isso há diversas campanhas para aumentar o número de doadores - no Brasil há cerca de 2,2 milhões de pessoas cadastradas.
Alline sofreu com a doença dos 3 aos 11 anos. Procurou doadores na família, mas não encontrou ninguém compatível.
"Sem o transplante, eu ia morrer. Tinha crises de anemia profunda, manchas roxas espalhadas pelo corpo, o nariz sangrava muito. Durante um ano passei a fazer transfusão de sangue e de plaquetas", conta a jovem, que hoje, aos 27 anos, é professora como sua doadora e nunca mais teve nenhum sinal da doença.
Irmão. Suely se cadastrou como doadora no Registro Nacional dos Doadores de Medula Óssea (Redome) em 1992 - assim que soube da abertura de um banco de doadores, no Hospital das Clínicas de São Paulo.
Nove meses antes, a professora havia visto o irmão mais novo morrer de uma leucemia grave - ele precisava de um transplante de medula para viver, mas não encontrou doador compatível entre os familiares nem nos bancos dos Estados Unidos e da Alemanha.
Suely se cadastrou, sem muitas expectativas. Até que três anos depois recebeu uma ligação dizendo que sua medula era provavelmente compatível com a de uma criança. Era preciso fazer novos exames e a professora não pensou duas vezes.
"Chorei quando me ligaram. Pensei: não pude salvar a vida do meu irmão, mas estou tendo a chance de salvar outra vida", lembra Suely.
Após uma bateria de exames de sangue para saber se estava tudo em ordem com a saúde da professora, saiu a confirmação de que ela era compatível com a criança - no caso, Alline.
A doação das células-tronco foi feita por meio do sangue periférico de Suely: ela ficou sentada por cinco horas no hospital enquanto seu sangue saía por um braço, era filtrado em uma máquina, e depois retornava para o outro braço.
O transplante aconteceu com sucesso dias depois. A partir daí, sem conhecer a receptora, Suely passou a trocar presentes e cartas por meio da assistente social do hospital.
Como não era permitido informar a identidade, elas usavam apelidos. "Ganhei várias peças de artesanato e bordados que a mãe da Alline fazia", diz.
Encontro. Mas o destino reservava mais surpresas para Suely. Seis anos depois, ela recebeu um telefonema do hospital dizendo que o banco em que ela havia se cadastrado ia fechar e os médicos sugeriram que ela conhecesse a receptora, pois a doença era grave e a menina poderia precisar dela novamente no futuro.
A data era bem próxima do Natal - Suely aproveitou e comprou uma guirlanda para presentear a família.
O encontro foi marcado para ocorrer em um restaurante próximo ao Hospital das Clínicas, em São Paulo. Alline veio com a mãe e o pai, Suely levou a mãe e uma prima.
O abraço entre doadora e receptora foi demorado. "Quando a vi, senti uma emoção inexplicável que só quem passa por isso sabe o que é", diz Suely. A partir de então, ela e Alline se tornaram amigas inseparáveis.
A garota já passou férias na casa dela e a acompanha sempre que possível em palestras de esclarecimento para doadores de medula.
Outra vida salva. E não foi apenas a vida de Alline que Suely conseguiu salvar. Contrariando as estatísticas mais otimistas do Redome, a professora foi chamada uma segunda vez para doar sua medula para outro desconhecido: desta vez era uma pessoa do sexo masculino, de Curitiba.
Suely ficou surpresa com a ligação: já é bastante raro conseguir um doador não aparentado. Para ela, ser doadora duas vezes e poder salvar duas vidas era como um milagre. Desta vez, no entanto, ela não recebeu informação nenhuma do receptor.
"Não sei se era adulto, se era criança. A única coisa que eu sei é que deu tudo certo. Meu sonho é conhecê-lo também, já estou mexendo meus pauzinhos com o pessoal do Redome", diz.
Suely agora dedica parte do seu tempo livre como voluntária, fazendo palestras em todo o Estado sobre a importância da doação. Conta a sua história e tira dúvidas dos futuros doadores. Em uma das palestras, a professora conseguiu angariar 7 mil novos doadores de medula para o cadastro nacional.
"A sensação de ter doado duas vezes é como uma nova maternidade, é como se fosse mais um filho meu, já que estou doando a vida para um semelhante. O meu lema nas palestras é: doem por amor e não pela dor", conta.
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