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domingo, 30 de outubro de 2011

AMAUROSE CONGÊNITA DE LEBER


A Amaurose Congênita de Leber (ACL) é a designação para um grupo de distrofias retinianas de acometimento precoce , de caráter hereditário, caracterizada por deficiência visual moderada a severa identificada nos primeiros meses de vida, nistagmo, respostas pupilares pobres e ERG extinto ou muito diminuído. A partir do locus alterado são descritas 5 formas da doença:
Na maior parte dos caso a transmissão é de modo autossômico recessivo, apesar de casos descritos com transmissão dominante 6, e a heterogeneidade dos achados descritos na literatura reforça a impressão de que não de trata de uma entidade única. São descritos vários achados associados à ACL, oculares, renais e neurológicos entre outros. 
Critérios diagnósticos
Alguns critérios são utilizados nos trabalhos publicados para caracterizar os pacientes com ACL:
· Cegueira ou dv severa nos 6 primeiros meses de vida , 4,6,10 ou no 1° ano de vida, ,
· ERG extinto ou muito reduzido (fotópico e escotópico)1,2,3,4, 10
· Fundus de aspecto normal ou com alterações pigmentares mínimas1 e/ou estreitamento arteriolar modesto2,3
· Ausência de outras desordens multissistêmicas ou retinianas 4, 10 
Características clínicas
oftalmológicas
Durante os primeiros meses de vida os pacientes desenvolvem nistagmo ou "roving eyes"3, 6,5,10, . Os reflexos fotomotores freqüentemente encontram-se diminuídos ou abolidos ,7,10 , sendo também comuns o sinal oculodigital, 5,7, 10 e o enoftalmo1, 3,10, secundário.
Na avaliação do paciente nos primeiros meses de vida a oftalmoscopia pode apresentar um aspecto normal, ou quase normal 1, 5, 6, 10. Com o tempo é comum o aparecimento de outras alterações como atenuação vascular1, 6,10, atrofia NO (principalmente após 1ano) 1,6,5; alterações pigmentares tipo espículas ósseas 6, acometimento macular tipo granular ou colobomatoso5, lesões numulares pigmentadas de polo posterior e periferia7. Lambert e cols.10 sugerem um subgrupo de pacientes com ACL, retardo mental, acuidade visual mais baixa e aparecimento mais precoce de alterações pigmentares tipo "espículas ósseas".
A acuidade visual, quando pode ser avaliada, varia de 20/200 a ausência de percepção luminosa5,7,9,10; raramente é melhor que 20/200 (6% 20/50 ou menor3, ). O ERG apresenta-se extinto ou com amplitude diminuída nos componentes fotópico e escotópico, associado ou não ao PEV extinto ou com amplitude diminuída. 1, 2,5,6 10.
Outros achados oculares são hipermetropia5,10 (em geral maior que 3D), estrabismo 6,7,10, ceratoglobo ,10, catarata 2,3,7,10 , ceratocone 7,10, blefarofimose 2 , microcórnea 6, buftalmo 3, oftalmoplegia externa 3 , fotofobia 1,5,7,10 não relacionada à alterações corneanas. 
neurológicas
Não existe na literatura consenso quanto ao binômio disfunções do SNC e ACL.
Tipicamente a criança com cegueira congênita apresenta hipotonia, atraso na aquisição dos marcos do desenvolvimento motor e dificuldades de orientação e mobilidade que podem resultar exclusivamente da privação sensorial em períodos críticos do desenvolvimento, sem outras disfunções associadas do SNC.
Nos portadores de ACL, entretanto, embora estes sejam achados esperados devido à deficiência visual, são também descritos defeitos estruturais do SNC. Alguns destes achados não apresentam relação clara com o retardo mental, o atraso neuromotor ou ainda com o quadro oftalmoscópico 5- dilatação ventricular moderada 1,3,6, alargamento de sulcos 1,6, malformações cerebrais menores diversas 1, 7 - mas outras alterações são contudo mais importantes - hipoplasia do vermis cerebelar ou do cerebelo 2,3,5,8, encefalocele, micropoligiria e imaturidade de neurônios corticais . Inversamente, também são descritos portadores de ACL, inicialmente com diagnóstico de retardo mental que mais tarde demonstraram inteligência normal 4, 9.
Uma das implicações do acometimento neurológico e psicomotor na ACL diz respeito às suas possibilidades educacionais.
Nickel e Hoyt 2 constataram que apesar das alterações neurológicas encontradas elas não necessariamente determinam retardo mental ou impossibilidade de aprendizado. Todos os 31 pacientes de seu estudo eram "educáveis"sendo 1 portador de retardo mental, mas outros autores encontraram variabilidade quanto ao retardo psicomotor.
Casteels e cols.5constataram que dos 14 pacientes classificados como portadores de ACL, 10 apresentavam performance escolar normal com o Braille e 11 tinham desenvolvimento adequado para a idade. Os demais (3) apresentaram retardo psicomotor severo e alterações cerebelares que entretanto conduzem a outros diagnósticos - Sd. Joubert, Sd. Lhermitte-Duclos e malformação de Dandy-Walker.
Noble e Carr 6 encontraram em 1/3 de seus casos algum grau de retardo psicomotor enquanto Schroeder e cols. 7 verificaram retardo mais severo que o esperado devido à deficiência visual; retardo mental estava presente em 23% do total de casos . Vaizey e cols.1 constataram retardo mental moderado a severo em 11 dos 21pacientes avaliados (n=30) e Lambert e cols10 encontraram esta alteração em 13%de seus pacientes.
Os resultados de Steinberg e cols.3 reforçam a hipótese de que os portadores de ACL são capazes de um funcionamento cognitivo normal, apesar de seu fraco desempenho em testes de QI, devendo por isso ser adequadamente estimulados e educados para o desenvolvimento de seu potencial.
O valor do EEG para a documentação de lesões de SNC é questionável já que pacientes com deficiência visual importante podem apresentar padrões anormais; exceções são sinais focais ou desordem convulsiva documentada2,3.
O tipo de acometimento da retina e do SNC leva a pensar em alterações precoces desencadeadas por mecanismo idêntico e durante um mesmo estágio do desenvolvimento, geneticamente determinadas.
Outros achados neurológicos descrito em associação à ACL são surdez (neurossensorial 7,10, não especificada 3,6), autismo10 , disfunção neuromuscular 6, 7, hemiparesia3 , microcefalia3 , convulsões 7,9 , hidrocefalia 1,3,5
Evolução da acuidade visual
Em estudos onde foi possível a avaliação seriada da acuidade visual pode-se observar melhora, piora e estabilidade 1,9,10, sem contudo um padrão definido de evolução.
Fulton e cols.9 não encontraram associação estatisticamente significativa entre o curso da acuidade visual e dados clínicos como grau de hipermetropia, severidade das anormalidades de fundo de olho e "status"complicado/não complicado.
Para se conhecer a acuidade visual - pontual ou sua evolução - de um portador de ACL, esta deve ser avaliada. 
Diagnóstico diferencial
Uma vez que o mecanismo da doença ainda não é conhecido, a ACL é um diagnóstico de exclusão, além de não ser definitivamente um fato consumado. Alguns pacientes com diagnóstico inicial de ACL posteriormente recebem outros diagnósticos (cegueira noturna estacionária congênita, acromatopsia, retinose pigmentar infantil, Sd. Joubert, Sd. Zellweger, Dç Refsum infantil, etc) , assim como o inverso também é descrito na literatura6.
Lambert e cols. 10 e Casteels e cols 5 ressaltam que crianças com diagnóstico de ACL devem ser observadas quanto a atraso no DNPM e caso este ocorra mais acentuadamente que o esperado pela deficiência visual outros diagnósticos devem ser pesquisados.
Discussão
A conduta junto ao paciente com ACL será norteada pela idade do paciente e pelo motivo que o levou à consulta - investigação de nistagmo (no 1° ano de vida), desatenção visual, atraso do desenvolvimento ou reabilitação a partir de um diagnóstico de ACL.
Na avaliação visual destes pacientes quanto mais informações - subjetivas e objetivas - obtivermos sobre o seu status visual, mais subsídios teremos no planejamento da reabilitação e no acompanhamento da doença propriamente dita. A avaliação da acuidade visual, como já foi mencionado, é importante, apesar de nem sempre conseguirmos realizá-la com os testes de olhar preferencial ou tabelas de optotipos. Podemos entretanto avaliar o desempenho visual nestes casos, observando a atenção, o interesse por objetos apresentados, o acompanhamento de objetos, da face do examinador, contato visual, respostas como o sorriso, percepção de objetos no espaço, etc. Em casos mais difíceis podemos proceder a avaliação à penumbra, com objetos iluminados ou com brilho.
O restante da avaliação oftalmológica deve também ser o mais completa possível, devido aos achados oculares descritos na ACL que podem corroborar o diagnóstico, interferir no desempenho visual (ceratocone, alta hipermetropia, catarata, por exemplo) ou ainda que levem a outras hipóteses diagnósticas.
Os exames eletrofisiológicos são importantes, assim como exames de imagem do SNC, entretanto um ERG extinto não determina que a estimulação visual não seja indicada. Mais recentemente o potencial evocado visual de varredura (sweep VEP) vem sendo utilizado para a estimativa da acuidade visual em crianças, mas pode ser não confiável em pacientes com nistagmo ou com o eletroencefalograma muito alterados. Crianças com deficiência visual moderada a severa tendem a apresentar melhor acuidade visual quando avaliada pela técnica de olhar preferencial.
Quanto às condutas médicas, além o tratamento de condições associadas (catarata, estrabismo, buftalmo, etc), é muito importante a atenção às ametropias presentes, principalmente a alta hipermetropia. Mesmo com respostas visuais pobres, a prescrição da correção óptica deve ser considerada. Algumas vezes, se há uma dificuldade de acomodação podemos realizar uma hipercorreção com a finalidade de estimulação para perto - principalmente nos bebês.
A estimulação visual em geral não é realizada pelo oftalmologista, mas a orientação da família e o trabalho em parceria com o profissional responsável são essenciais. Diferentemente do adulto, onde as funções visuais já estão consolidadas, o lactente está num período crítico de desenvolvimento destas funções, que dependem de condições favoráveis para seu acontecimento. A criança aprende a ver com a experiência visual e é este sentido - a visão - o principal motivador do desenvolvimento global, especialmente o motor.
Além de graves atrasos globais do desenvolvimento, o lactente com experiências visuais pobres pode ainda desenvolver mecanismos compensatórios indesejáveis como os maneirismos (sinal óculodigital, auto-estimulação sonora, desvios comportamentais), trabalhados também na estimulação. Na realidade o termo habilitação visual é mais apropriado no que diz respeito a este trabalho e quanto mais precoce seu início melhor serão o "outcome"dos portadores de ACL e seu funcionamento ao longo da vida.
Nas demais faixas etárias o trabalho de reabilitação será pautado pela visão residual e pelas necessidades do paciente, o que também dependerá do seu nível cognitivo e dos resultados da estimulação precoce. Muitas vezes a visão muito baixa impossibilita o uso de recursos ópticos, sendo necessários recursos de substituição; o treinamento em orientação e mobilidade também deve ser lembrado. Como a ACL pode cursar com piora das funções visuais as necessidades dos pacientes podem se modificar ao longo do tempo. 
Conclusão
Pacientes com nistagmo, alterações do desempenho visual e sem alterações fundoscópicas podem ser portadores de ACL, mas este é um diagnóstico de exclusão. O ERG é importante no diagnóstico diferencial.
Quanto à acuidade visual, apesar de seu importante comprometimento, deve ser sempre e repetidamente avaliada - não existe um padrão esperado de sua evolução.
Quanto ao comprometimento do SNC não existe um consenso, mas algumas alterações estruturais podem ser efetivamente encontradas.
Quanto à capacidade cognitiva, os portadores de ACL parecem ser semelhantes a outras crianças com cegueira congênita e por isso devem ser adequadamente habilitados, apesar de casos descritos de retardo mental em graus variáveis. 

  1. Vaizey MJ, Sanders MD, Wybar KC, Wilson J. N. Neurological abnormalities in congenital amaurosis of Leber - 1977
  2. Nickel B, Hoyt CS. Leber's congenital amaurosis - is mental retardation a frequent associated defect? - 1982 
  3. Steinberg A, Ronen S, Zlotogorski Z, Silverston BZ, Hirsch I, Nawratzki. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1992;29:224-227
  4. Lambert SR, Taylor D, Kriss A. The infant with nystagmus, normal appearing fundi, but an abnormal ERG. Surv Ophthalmol 1989a;34(3):173-186.
  5. Casteels I, Spileers W, Demaerel P, Casaer P. De Cook P., Dralands L, Missotten L. Neuropediatrics 1996; 27:183-193
  6. Noble KG, Carr RE. Leber congenital amaurosis. A retrospective study of 33 cases and a histopatological study of one case. Arch Ophthalmol 1978; 96:818-821
  7. Schroeder R, Mets MB,Maumenee IH; Leber's congenital amaurosis. Etrospective review of 43 cases and a new fundus finding in two cases. Arch Ophthalmol 1987;105(3):356-9.
  8. Dekaban A. Hereditary syndrome of congenital night blindness (Leber), polycystic kidneys and maldevelopment of the brain. AM. J. Ophthalmol 1969;68:1029-1037. Apud c Nnickel e Hoyt...
  9. Fulton AB, Hansen RM, Mayer L; Vision in Leber Congenital Amaurosis. Arch Ophthalmol 1996; 114 (6): 698-703.
  10. Lambert SR, Kriss A, Taylor D, Coffrey R, Pembey M. Follow up and diagnostic reappraisal of 75 patients with Leber's congenital amaurosis. 1989b
  11. Fishman GA. Electrophysiologic testing in disorders of the retina, optic nerve and visual pathway. Ophthalmology Monographs. The Foundation of the American Academy of Ophthlamology. 2001.308p.
Literatura consultada:
Veitzman, S. Visão Subnormal - Coleção de Manuais Básicos. Ed. Cultura Médica. 2000. 192p. 

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