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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Doença do Deposito de Cadeia Leve

Anemia crônica e glomerulopatia secundárias à Doença de Depósito das Cadeias Leves

Chronic anemia and glomerulopathy secondary to Light-chain Deposition Disease

Ítala P. SilveiraI; Antonio L. C. JerônimoI; Herivaldo F. SilvaI; José O. L. NogueiraI; José W. CorreiaI; Luiz A. MouraII

IDepartamento de Clínica Médica do Hospital Geral Dr. César Cals — Fortaleza-CE, Brasil IIDepartamento de Anatomopatologia da Universidade Federal de São Paulo — São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência


RESUMO

Os autores relatam o caso de uma paciente do sexo feminino, 65 anos de idade, internada com anemia de longa evolução que se associou posteriormente a uma glomerulopatia manifestada por proteinúria, cilindrúria e perda de função renal. As cadeias leves no plasma e na urina estavam elevadas, sobretudo a fração kappa e uma biópsia renal estudada por imunofluorescência e microscopia eletrônica confirmou o diagnóstico de Doença de Depósito das Cadeias Leves. A nefropatia de cadeia leve ocorre pela superprodução de cadeia leve de imunoglobulina produzida por linfócitos B com deposição nas membranas tubulares e no glomérulo.

Palavras-chave: Cadeias leves; paraproteínas; glomerulopatia; proteinúria; insuficiência renal; anemia.


ABSTRACT

The authors present a case of a 65-year-old female patient, with chronic anemia associated with glomerulopathy manifested as proteinuria, cylindruria and renal failure. There were high serum and urinary levels of light chains and the diagnosis was performed by renal biopsy, examined using immunofluorescence and by electron microscopy that showed light chain paraproteins. Nephropathy of light-chain deposition disease occurs due to an over-production of light chains from immunoglobulins produced by B lymphocytes with a deposit in tubular and glomerular membranes.

Key words: Light-chain; paraproteins; glomerulopathy; proteinuria; renal failure; anemia.


Introdução

A Doença de Depósito das Cadeias Leves (DDCL) é uma patologia infiltrativa, do grupo das paraproteinemias, caracterizada pela presença de material amorfo monoclonal em diversos tecidos, constituído por fragmentos de cadeias leves, sobretudo Kappa e que se diferencia da amiloidose primária por não apresentar coloração pelo vermelho congo e nem possuir estrutura fibrilar quando examinado à microscopia eletrônica (ME).1

A freqüência e a etiologia desta doença são desconhecidas e a associação com mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenstron e outras patologias linfoproliferativas tem sido relatada. Metade dos casos não apresenta evidência de proliferação plasmocitária neoplásica.2

O rim é o órgão mais acometido e a doença renal se manifesta por proteinúria, síndrome nefrótica ou insuficiência renal em fase avançada da doença. O diagnóstico é feito pela imunoeletroforese (IEF) ou imunofixação (IF) sérica ou urinária com a identificação de níveis anormais de CL em 75% dos casos.3 Glomeruloesclerose nodular é a lesão renal mais característica à microscopia óptica (MO), presente em 60% dos casos.4 O diagnóstico é confirmado pela evidência de depósitos de CL monoclonais por imunofluorescência (IF) ou imunoperoxidase (IP), mas sobretudo pelo achado de depósitos eletrodensos finamente granulares na membrana basal dos órgãos acometidos. O prognóstico do doente, a resposta à quimioterapia e a duração do tratamento ainda não estão bem estabelecidos.

Relato do Caso

M.M.A.P, sexo feminino, 65 anos, parda, internada no serviço de clínica médica do Hospital Geral César Cals em abril de 2002. Referia adinamia, fadiga e anorexia há 4 anos, evoluindo com palidez e dispnéia progressivas. Há um ano apresentava edema de membros inferiores ascendente e aumento de volume abdominal associado a urina espumosa. Nos últimos seis meses evoluiu com episódios diarréicos intermitentes. Relatava antecedente de gravidez molar aos 35 anos. Ao exame físico apresentava moderada palidez cutâneo-mucosa e anasarca. Exames laboratoriais revelaram: Hemácias =2.79 x 103/mm3, Hb=8,5 g/dL, Ht=25,2%, VCM= 90fl, leucócitos= 3,4 x 109com diferencial normal, reticulócitos= 0,31%, VHS=131mm (1ª hora); aspirado de medula óssea levemente hipercelular, alterações displásicas nas linhagens granulocítica e megacariocítica, discreta plasmocitose (6%). Biópsia óssea sem alterações relevantes. Dosagem de Vitamina B12 =312pg/mL; ácido fólico =2,45 ng/mL; estudo ferropéxico com ferritina 140,88 ng/mL, ferro sérico 29ug/100 mL, CTLFe 96 ug/dlL e CLLFe 125 ug/dL. Creatinina 1,21 mg/dL chegando a 2,3 mg/dL após quatro meses. Sumário de urina com proteinúria (3+), hemácias mal preservadas e cilindros granulosos e hialinos. Clearence creatinina 52,4 mL/min com diminuição progressiva para 11,5 mL/min em seis meses; proteinúria de 2938 mg/24h. Eletroforese de proteína sérica com hipoproteinemia e hipoalbuminemia, inversão da relação albumina/globulina, aumento relativo das frações a2 e b-globulina. Dosagem no soro fração k 475 mg/dL (VR=170-370 mg/dL), l254 mg/dL(VR=90-120 mg/dL ) e na urina k 113 mg/dL (VR indetectável) l 66,3 mg/dL (VR indetectável). Biópsia do coxim adiposo com coloração negativa para vermelho Congo. Biópsia renal revelou aumento da matriz mesangial e a IFD mostrou depósitos irregulares de CL kappa com traços de IgM e IgG em glomérulos, paredes tubulares e cápsula de Bowman. A microscopia eletrônica confirmou diagnóstico de DDCL, com a presença de depósitos granulares conforme demonstrado na figura 1. Foi iniciado esquema terapêutico com prednisona e melfalan nas doses 1mg/kg e 0,4 mg/kg respectivamente durante cinco dias a cada quatro semanas. Atualmente encontra-se em seguimento ambulatorial com creatinina de 1,77 mg/dL e proteinúria em faixa não nefrótica.

Discussão

A DDCL é uma patologia incomum ou, mais provavelmente, pouco diagnosticada. Estudos retrospectivos de Mallick et al, avaliando 260 pacientes com proteinúria idiopática por biópsia renal, detectaram apenas sete casos desta doença.4 Outros autores também analisaram material de biópsia renal, como Raymond et al, que encontraram 13 casos de um total de 2.112 exames,5 e Pirani et al, que, ao biopsiarem o rim de 47 pacientes com discrasia de células plasmáticas, encontraram 10 casos positivos.6

Imunoglobulinas monoclonais e CL livres são produzidas por linfócitos da linhagem B ou plasmócitos como resultado de uma expansão clonal nas discrasias dessas células. Acredita-se que anormalidades estruturais das imunoglobulinas monoclonais tenham papel direto na patogênese da doença7

Depósitos tissulares de CL monoclonal podem ser vistos tanto na amiloidose primária como na DDCL. Essas entidades têm patogênese semelhante, entretanto os fragmentos na DDCL possuem características bioquímicas diferentes e não apresentam depósito fibrilar, como ocorre na amiloidose.8 Esses depósitos são usualmente da CL kappa em 85% casos, enquanto cadeias lambda são mais encontradas na amiloidose.9 Apresentam-se com aspecto granular, não são corados pelo vermelho Congo e consistem de uma região constante da imunoglobulina reagindo fortemente à IF para CL monoclonal.

A idade média de aparecimento desta patologia é de 55 anos (30-80 anos) e o rim é um dos órgãos mais acometidos. A manifestação renal da DDCL depende dos sítios de depósito: se predominante nos glomérulos haverá principalmente síndrome nefrótica; caso ocorra a nível de túbulos, a insuficiência renal será mais evidente e a proteinúria será menos intensa. Estudo multicêntrico realizado na Itália, com 63 casos diagnosticados, revelou que 96% apresentavam insuficiência renal e 84% tinham proteinúria maior que 1,0 grama em urina de 24 horas. Os fatores independentes relacionados ao pior prognóstico foram a idade e o nível de creatinina na apresentação da doença e a menor sobrevida ocorreu naqueles que tinham também depósitos extra-renais.10 O estágio terminal de doença renal pode ser observado em cerca de 70% dos pacientes com DDCL e a sobrevida média destes pacientes é em torno de 34 meses.11 O tipo de lesão renal parece depender de propriedades fisico-quimicas da CL monoclonal. Fatores ambientais podem associar-se para determinar ou prevenir a expressão clínica da injúria renal.12 Manifestações adicionais estão na dependência de outros sítios de depósito. Randall et al mostraram que existe correlação entre manifestações clínicas ou laboratoriais e depósitos granulares eletrodensos à ME no rim, fígado, pâncreas, coração (miocárdio e sistema de condução), tireóide, intestino, sistema nervoso periférico e central.2

No caso relatado, a paciente apresentava comprometimento renal sob a forma de urina espumosa, anasarca e perda progressiva da função renal. Manifestava comprometimento intestinal através de episódios diarréicos intermitentes. Palidez cutâneo-mucosa com anemia normocítica-normocrômica, sem alterações reticulocitárias, com estudo feropéxico normal e aspirado medula óssea normoplásitco. Apresentava também um hipotireoidismo subclínico sem outras endocrinopatias associadas.

As etapas de investigação para confirmação diagnóstica incluem a detecção de níveis anormais de CL sérica e/ou urinária por IEF ou IF, alterações histológicas à MO, IF e ME, sendo importante também que se investiguem doenças linfoplasmocitárias associadas por meio de avaliação clínica, imagem, mielograma e biópsia óssea .

A alteração histológica renal mais característica é a glomeruloesclerose nodular vista na microscopia óptica, muito semelhante àquela observada na nefropatia diabética; entretanto, uma leve expansão mesangial pode ser o único achado. A IF mostra depósitos tanto nas alças capilares, no mesângio e de modo linear na membrana tubular. Depósitos granulares típicos são identificados na ME.

O prognóstico da DDCL e também da amiloidose é bastante reservado com sobrevida média variando de 18 meses a 34 meses.11 Estudos da Mayo Clinic têm demonstrado que o nível de creatinina no início do tratamento é importante para resposta terapêutica. Quando a creatinina for menor que 4 mg/dL, o tratamento com melfalan e prednisona pode estabilizar ou melhorar a função renal em 63% dos pacientes, enquanto se for maior que 4,0 mg/dL, apenas 18% podem apresentar alguma resposta.13 Esta paciente foi tratada com melfalan e prednisona e até o momento apresenta boa resposta, já que houve redução dos seus níveis de creatinina e proteinúria. O objetivo do tratamento é suprimir a proliferação dos clones anormais e remover o depósito tecidual. Outros esquemas propostos incluem vincristina-doxorubicina-dexametasona, contudo a terapêutica mais interessante é o transplante autólogo de célula-tronco, que pode suprimir a discrasia das células plasmáticas.11 é importante ressaltar que os regimes quimioterápicos não são isentos de riscos, podendo levar à pancitopenia, ao aparecimento de leucemia mielóide aguda em 6,5% dos casos, chegando a mais de 20% se a sobrevida for superior a três anos e meio.14

As principais causas de morte são a insuficiência renal, insuficiência cardíaca ou hepática e infecções.

Conclusão

Os autores sugerem que a DDCL deva ser investigada nos pacientes que apresentem anemia crônica associada a doença renal de etiologia não estabelecida e que a biópsia renal analisada por IF e ME é um método extremamente importante para o diagnóstico.

Referências Bibliográficas

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14. Gertz M, Kyle R. Acute leukemia and cytogenetic abnormalities complicating melphalan treatment of primary systemic amyloidosis. Arch Intern Med 1990;150-59. [ Links ]

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu pai tem dcl e teve um prognostico de 6 meses, já se passaram 4 anos e meio desde que iniciou o tratamento, mais reclama de muitas dores ainda pelo abdomenm, fica inchado, o coração dói, é muito triste.....faz hemodialise 3 x na semana...esperamos que ele fique conosco muitos anos ainda, o importante é que ele cuida muito bem da almentação e não fica parado, quer trabalhar o tempo todo, ainda faz serviço de pedreiro...ele é um exemplo pra todos nós...