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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Deficiência Familiar de Glicocorticóide - Síndrome de Tríplice A

Deficiência Familiar de Glicocorticóide

A deficiência familiar de glicocorticóide (DFG) (OMIM 202200) é uma doença autossômica rara decorrente da resistência à ação do ACTH, descrita pela primeira vez por Shepard em 1959 (41). As manifestações clínicas da DFG são decorrentes da deficiência de glicocorticóide, incluindo hipoglicemia e icterícia no período neonatal, desenvolvimento deficiente, infecções de repetição e hiperpigmentação cutânea, em decorrência das concentrações plasmáticas elevadas de ACTH (48). Na DFG, o sistema renina-angiotensina-aldosterona está preservado, não havendo, portanto, quadro de perda de sal ou alteração hidroeletrolítica, contrastando com as outras causas de doença de Addison. As manifestações clínicas geralmente ocorrem a partir do primeiro ano de vida, porém, alguns pacientes tornam-se sintomáticos durante a infância. A presença de estatura elevada tem sido relatada em alguns pacientes com DFG (42,43); contudo, a fisiopatologia do excesso de crescimento nesta doença não está estabelecida, estando o eixo GH-IGF1 preservado nos casos estudados. Interessante notar que, com o tratamento com glicocorticóides, há redução do crescimento excessivo; contudo, não podemos afastar a possibilidade dos efeitos do glicocorticóide na desaceleração da velocidade de crescimento nesta doença (43). Adicionalmente, os pacientes com DFG apresentam avanço da idade óssea, podendo ocorrer dissociação da maturação entre carpos, rádio e ulna. Outra alteração observada na DFG é a ausência do desenvolvimento da adrenarca, processo fisiológico de maturação da glândula adrenal que ocorre durante a infância (44). Concentrações reduzidas de SDHEA e androstenediona foram observadas em pacientes com DFG quando comparadas aos controles, indicando papel do ACTH, também, na regulação da adrenarca.

O diagnóstico da DFG é realizado pela concentração plasmática reduzida de cortisol e alta de ACTH, e resposta ausente do cortisol ao teste de estímulo com ACTH [1-24]. Apesar da história clínica e exame físico poderem discriminar as outras causas de IAP, as determinações de 17-hidroxiprogesterona e ácidos graxos de cadeia muito longa são úteis para exclusão da deficiência da 21-hidroxilase e ALD.

Na DFG, a ausência de resposta adrenal ao estímulo com ACTH sugere a possibilidade de defeito no receptor de ACTH ou, alternativamente, na sinalização intracelular em resposta ao estímulo com o agonista. O receptor do ACTH é um receptor de membrana acoplado à proteína G, fazendo parte da família de receptores da melanocortina (45-47). A clonagem do receptor de ACTH humano, no início da década de 90 (45), possibilitou o estudo molecular deste gene em paciente com DFG, que demonstrou, pela primeira vez, a presença de mutaçãomissense homozigótica do gene do receptor do ACTH em segregação com esta doença (48). Posteriormente, outras mutações missense, nonsense e frameshift foram descritas, estando estas mutações localizadas em diferentes domínios do receptor (49-54). A mutação do gene do receptor do ACTH mais freqüentemente descrita na DFG é a substituição do aminoácido serina por isoleucina no códon 74 (S74I), que pode estar presente em homozigose ou em heterozigose com outras mutações (42). Estudo funcional desta mutação, bem como de outras mutações que ocorrem naturalmente na DFG, evidenciou menor capacidade ligação e menor resposta do AMP cíclico em resposta ao estímulo com ACTH em células eucarióticas expressando as diferentes variantes do receptor do ACTH (51,52,55).

Cerca de 40% dos pacientes com DFG não apresenta nenhuma mutação na região codificadora do gene do receptor do ACTH (42). O estudo de análise de linkage em famílias com DFG sem mutação do receptor do ACTH excluiu o locus 18p11.2, onde está localizado o gene do receptor do ACTH, evidenciando a heterogeneidade genética desta doença (56). O fenótipo clínico não permite distinção entre pacientes com DFG com ou sem mutação do receptor do ACTH, exceto a estatura, que no primeiro grupo de pacientes encontra-se em média 2DP acima da faixa controle (42).

Síndrome de Tríplice A

A síndrome de tríplice A (OMIM 231550) é uma doença autossômica recessiva e caracteriza-se pela presença de acalasia da cardia, alácrima e IAP, que em alguns pacientes inclui a deficiência de mineralocorticóides além da de glicocorticóides (57). Outras manifestações podem estar associadas, como neuropatia autonômica e periférica, ataxia, retardo mental, hiperceratose palmoplantar, periodontite, dismorfismo facial e baixa estatura (57). Estudos de análise de linkage revelaram que a síndrome de tríplice A estaria mapeada na região 12q13 (58,59). Recentemente, a clonagem do gene da síndrome de tríplice A (AAAS) conduziu à demonstração de que mutações deste gene constituem a base molecular da doença (60-62). Este gene codifica a proteína ALADIN (alacrima-achalasia-adrenal insufficiency-neurological disorder), que se expressa em tecidos neuroendócrinos e estruturas cerebrais e gastrointestinais cujas funções não estão ainda estabelecidas (60,61).

O tratamento nos pacientes com síndrome de resistência ao ACTH deve ser realizado com glicocorticóides nos pacientes com DFG e, quando necessário, também com mineralocorticóides na síndrome de tríplice A. As demais manifestações presentes na síndrome de tríplice A podem ser tratadas sintomaticamente (lágrima artificial) ou com cirurgia (dilatação esofágica, cardiomiotomia).

Hipoplasia Adrenal Congênita

A hipoplasia adrenal congênita (HipoAC) (OMIM 300200) é uma doença rara em que ocorre alteração no desenvolvimento da glândula adrenal, resultando em IAP, com manifestações clínicas que podem ocorrer nos primeiros meses de vida, durante a infância (63) ou mais tardiamente na vida adulta (64). Ainda, a IAP pode ser compensada, isto é, sem manifestações clínicas, com a secreção de cortisol mantida às custas de concentrações plasmáticas elevadas de ACTH (65). A HipoAC pode apresentar-se com padrão de herança ligada ao X (63) ou autossômica recessiva (66). As manifestações de IAP na infância caracterizam-se pela presença de hipoglicemia neonatal, hiponatremia e hipercalemia, causadas pelas concentrações extremamente baixas de cortisol e aldosterona. As concentrações de andrógenos também são baixas e há falência de resposta dos esteróides adrenais ao teste do ACTH exógeno. Associam-se deficiência pôndero-estatural, vômitos, distúrbios na alimentação, hiperpigmentação cutânea, cianose neonatal, apnéia e convulsões. Hipogonadismo hipogonadotrófico é uma característica desta doença e, geralmente, torna-se aparente durante a adolescência com puberdade atrasada (67). No sexo feminino foram observadas puberdade atrasada e hipogonadismo hipogonadotrófico associados à mutação em homozigose do gene do DAX1 (68).

A dosagem de testosterona sérica e o teste de estimulação com GnRH são indicados mesmo nos pacientes com HipoAC e testículos tópicos, pois a ausência de criptorquidia não exclui a presença de hipogonadismo hipogonadotrófico. A HipoAC ligada ao X pode estar associada à perda auditiva para alta freqüência e outras anormalidades neurológicas como distrofia muscular de Duchenne (DMD) e deficiência de glicerol-quinase (DGQ), constituindo a síndrome de deleção de genes contíguos (69).

Estudando-se vários pacientes com deleção da região Xp21, o locus para HAC foi mapeado próximo ao locus da DMD (70). Esta região engloba os loci HAC, DMD e DGQ, na ordem HAC-DGQ-DMD-centrômero. Nesta região está localizado também o gene DSS (dosage sensitive sex reversal) (71,72). Em 1994, o gene humano DAX1 (DSS, AHC critical region on the X chromosome, gene1) foi clonado, possibilitando a identificação de mutações neste gene em pacientes com HipoAC (73,74).

O gene DAX-1, também chamado gene NROB1, codifica um receptor nuclear órfão, pois seu ligante ainda não foi identificado. Este receptor apresenta um domínio de ligação ao DNA porém, sem os dedos de zinco, que caracterizam a superfamília de receptores nucleares. DAX-1 apresenta efeito supressivo sobre a transcrição gênica mediada pelo receptor do ácido retinóico e inibe os efeitos de transcrição gênica induzidos pelo SF-1 e pela proteína StAR (steroidogenic acute regulatory), suprimindo a esteroidogênese (75). A expressão do mRNA do DAX-1 é encontrada em tecidos esteroidogênicos (testículos, ovários e adrenal) e no núcleo ventromedial hipotalâmico e na hipófise (76,77). Indivíduos XY com duplicações do locus DSS apresentam sexo reverso e desenvolvem-se como do sexo feminino (71). Mutações do gene DAX-1 (nonsense, missense, frameshift e deleções) são encontradas em pacientes com HipoAC e hipogonadismo hipogonadotrófico.

As mutações do gene do DAX1, observadas em pacientes com HipoAC foram descritas na região carboxi-terminal da proteína e a maioria resulta na síntese em uma proteína truncada (78). Recentemente, observou-se que as mutações do DAX-1 resultam na localização citoplasmática da proteína mutante, e não no núcleo, apesar de não haver alteração na região do sinal de localização nuclear (NLS), localizada na região amino-terminal (79). Esta localização no citoplasma justifica, portanto, a perda da atividade de supressão da transcrição gênica nas mutações do DAX-1. Não foi observada correlação entre o genótipo e o fenótipo da doença (63,74). Adicionalmente, existem pacientes com HipoAC ligada ao X, nos quais não foram encontradas mutações no gene DAX-1, sugerindo heterogeneidade genética da doença e existência de outros fatores envolvidos no desenvolvimento cortical da adrenal (80). Associação de HipoAC, hipogonadismo hipogonadotrófico e displasia metafisária foi descrita, constituindo uma nova síndrome, cuja base molecular ainda não está estabelecida, uma vez que a análise molecular do DAX-1 revelou-se normal (81). O locus gênico para a forma autossômica recessiva de HipoAC também permanece desconhecido.

Pacientes com HipoAC devem ser tratados com reposição de glicocorticóide, fludrocortisona (0,1-0,4mg/dia) e suplementação de sal nos primeiros anos de vida (1-2g/dia).

Insuficiência Adrenal Primária e Sexo Reverso XY

A ocorrência de IAP em um paciente com sexo reverso XY foi relatada pela primeira vez por Achermann e cols, em 1999 (82). A paciente apresentava fenótipo feminino e manifestações de IAP desde as primeiras semanas de vida. Seu cariótipo era XY, sendo observada presença de estruturas Müllerianas à laparotomia, com gônadas em fita e túbulos pouco diferenciados e ausência de resposta da testosterona à estimulação com gonadotrofina coriônica. Estudo de análise de mutação desta paciente revelou a presença da mutação G35E em heterozigose na região de domínio de ligação ao DNA do gene do fator esteroidogênico 1 (SF-1). Este fator constitui um receptor nuclear órfão que regula a transcrição de vários genes envolvidos na reprodução, esteroidogênese e diferenciação sexual masculina como DAX1, hormônio anti-Mülleriano, CYP11A, StAR, enzimas envolvidas na esteroidogênese e aromatase (83). Camundongos com knockout do gene do SF-1 apresentam ausência completa da glândula adrenal e das gônadas e genitália externa feminina independente do sexo genético e agenesia do núcleo ventromedial hipotalâmico, confirmando o papel do SF-1 no desenvolvimento dessas estruturas (84-86). Estudo funcional revelou diminuição da ligação e da atividade de transativação do SF-1 mutante G35E (87). O SF-1, ao contrário dos outros receptores nucleares, liga-se à região promotora dos genes alvos como um monômero, não se observando efeito dominante negativo da proteína mutante (87). A mutação do SF-1 em heterozigose (R255L) foi descrita também em uma paciente com sexo genético feminino com IAP, porém sem alteração da maturação do ovário, sugerindo que o SF-1 não seja necessário para o desenvolvimento da gônada feminina (88). Recentemente, foi descrito um padrão de herança autossômica recessiva em um paciente XY com IAP grave desde a vida neonatal e sexo reverso, portador da mutação homozigótica R92Q do gene do SF-1 (89). O estudo desta família demonstrou que os indivíduos heterozigotos para a mutação R92Q não apresentavam qualquer alteração clínica, revelando a importância da dose do gene e função residual do SF-1 como determinante do fenótipo clínico.

Um comentário:

betelamb@terra.com.br disse...

Bom dia!
Meu neto tem 2 anos e apesar dos primeiros dias de vida apresentar todos esses sintomas e por várias intgernações, só agora diagnosticaram DEFICIENCIA DE GLICEROLQUINASE, pelo hospital de Clínicas daqui de Porto Alegre.Alegaram que só existem 28 casos no mundo e que não sabem a perspectiva do futuro dele em função de ser uma doença muito rara.Ao ver esse site me enchi de esperança!Por favor, me ajudem a ajudar esse anjinho que está com um futuro como uma incógnita...
Elisabete Lamb betelamb@terra.com.br