PARCERIAS

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Síndrome do notocórdio fendido, variante rara do cisto neuroentérico

Lisieux E. JesusI; Cristiano G. FrançaII

ITCBC/RJ, cirurgiã pediátrica, Serviço de Cirurgia Pediátrica, Hospital Municipal Jesus e Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro IINeurocirurgião, Serviço de Neurocirurgia Pediátrica, Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Estudo de um caso de síndrome do notocórdio fendido, forma extremamente rara de disrafismo medular. A literatura pertinente, pesquisada através das bases de dados MEDLINE e LILACS, é analisada e sumarizada. DESCRIÇÃO: Foi atendido lactente masculino de 2 meses de idade apresentando extensa deformidade de coluna lombo-sacra, hidrocefalia e exteriorização de alças intestinais pela linha média dorsal, acompanhada de fístula entérica e imperfuração anal. A malformação foi diagnosticada como síndrome do notocórdio fendido. A criança evoluiu para óbito secundário a sepse antes de ser feito qualquer tratamento cirúrgico. COMENTÁRIOS: A síndrome do notocórdio fendido é a forma mais rara de cisto neuroentérico já descrita (<>

Síndrome do notocórdio fendido,disrafismo medular, mielodisplasia, cisto neuroentérico.


Introdução

Relatamos aqui um caso de síndrome do notocórdio fendido (SNF), malformação neuroentérica rara e freqüentemente desconhecida. Há apenas 25 casos descritos até o momento na literatura, após um levantamento extenso feito através dos bancos de dados MEDLINE e LILACS. Este é, segundo sabemos, o primeiro caso relatado no Brasil, e o segundo na América Latina: Baeza-Guerrera el al.1 sugerem dois casos no México, porém o segundo deles mostra certas características sugestivas de gemelaridade incompleta, como sempre discutíveis com relação a formas maduras de teratoma.

O atendimento ao paciente esteve de acordo com as normas utilizadas pela Comissão de Ética do Hospital Municipal Jesus.

Relato do caso

Recebemos no Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro, aos 2 meses de idade, um paciente do sexo masculino com peso 1.800 g, nascido de mãe adolescente (14 anos) sem acompanhamento pré-natal. Durante a gestação, há relato de corrimento vaginal não tratado e infecção urinária. Foi negado o uso de quaisquer drogas ou exposição a agentes teratogênicos. A criança apresentava-se em curso de nutrição parenteral total desde o nascimento, com história de episódios recorrentes de sepse, tendo usado vários esquemas antibióticos durante a permanência em unidade de terapia intensiva.

No momento da internação, o lactente estava ictérico e desnutrido, portador de malformação anorretal (imperfuração anal sem fístula perineal ou urinária) e diástase da linha média posterior na região tóraco-lombar da coluna vertebral, com amplo defeito ósseo palpável nas bordas da lesão. Não havia sinais clínicos de oclusão intestinal, e a criança apresentava exteriorização de múltiplas alças de intestino delgado através do defeito tóraco-lombar, com enterostoma espontâneo, dando saída à secreção entérica (Figura 1). Não havia drenagem externa de liquor ou exposição visível de elementos de tecido neural. A criança mostrava-se desperta e responsiva a estímulos ambientais. Mobilizava os membros inferiores, embora apresentando hipoestesia e paresia com predomínio distal, atrofia muscular, e diminuição dos reflexos tendíneos. Não havia relato de retenção ou gotejamento urinários e não era evidenciado globo vesical palpável. Havia macrocefalia e fontanelas amplas, evidenciando hidrocefalia.

A tomografia computadorizada de tórax e abdome mostrava anomalia de fusão vertebral extensa na região lombar, desde a 11ª vértebra torácica até a coluna sacra. O defeito ósseo era permeado livremente por alças intestinais. Uma ultra-sonografia cerebral demonstrava malformação de Arnold Chiari tipo II, hidrocefalia e redução do córtex cerebral.

Foi inicialmente assumido o diagnóstico de SNF, hidrocefalia severa, malformação anorretal e fístula entérica espontânea congênita, e foram planejados ressonância magnética nuclear abdominal e de coluna vertebral e fistulografia através da alça intestinal exposta (através do defeito) para planejamento tático da correção cirúrgica a ser feita, porém o paciente evoluiu para síndrome séptica e faleceu no terceiro dia de internação hospitalar. Não foi autorizada necropsia pelos familiares.

Discussão

A SNF, conforme nominada por Bentley & Smith2 (também chamada spina bifida posterior, spina bifida combinada, fístula neuroentérica ou fístula intestinal dorsal), é uma forma extremamente rara de disrafismo (menos de 25 casos foram relatados na literatura até o momento). Foi descrita inicialmente por Rembe, em 18873. Nesta doença, anomalias vertebrais (spina bifida anterior e posterior combinadas, vértebras em borboleta), do sistema nervoso central (diastematomielia, diplomielia, mielomeningocele) e intestinais (fístulas, sinus, divertículos e cistos entéricos) se associam. Apresenta-se como uma fenda na linha média corporal dorsal através da qual se exteriorizam segmentos entéricos (freqüentemente com fístula associada), mielomeningocele e, eventualmente, um teratoma. Sempre ocorrem defeitos do sistema nervoso central: hidrocefalia e diastematomielia/diplomielia são constantes. No entanto, os bebês não necessariamente apresentam defeitos funcionais da medula espinhal: em alguns casos descritos, a motricidade dos membros inferiores é normal. A presença ou não de defeitos de função esfinctérica intestinal e urinária é de difícil avaliação, considerando a alta freqüência de malformação anorretal associada e a grande variância nas expressões clínicas da bexiga neurogênica, permitindo casos que não manifestam retenção urinária ou gotejamento urinário contínuo, especialmente dissinergias vesico-esfincterianas e formas de hipercinesia do detrusor, de detecção muito difícil no neonato, em especial se não forem usados métodos urodinâmicos formais de avaliação. Não encontramos dados quanto à função urodinâmica imediata ou em longo prazo entre os sobreviventes relatados4-7. São comuns pés tortos congênitos.

A conexão da fístula entérica pode variar de caso a caso, apresentando-se no íleo distal/ceco ou no intestino grosso (maioria dos casos relatados). A doença ocorre em ambos os sexos e há uma incidência aumentada de malformações urogenitais (3/25 casos referidos em literatura) e anorretais (7/25 casos referidos em literatura e caso presente) (Tabela 1).

Na maioria absoluta dos casos, não há história de exposição conhecida a agentes teratogênicos ou história familiar de defeitos congênitos. A origem embriológica da anomalia é discutida, e sua causa é desconhecida até o momento. A teoria mais antiga advoga a persistência de um canal neuroentérico primitivo que conectaria a cavidade amniótica com o dorso do embrião na terceira semana de vida intra-uterina. Contra esta teoria está o fato de que esta conexão ocorre no embrião normal com a região infracoccígea, enquanto que na SNF o defeito vertebral é constantemente proximal (cervical, torácico ou lombo-sacro). Essa discrepância é explicada por certos autores como decorrente de alternâncias posicionais do nódulo de Hensen ou pela presença de canal neuroentérico acessório16. No momento, a teoria mais aceita sugere um defeito primário do notocórdio (que se apresenta duplicado e com separação incompleta do intestino primitivo), causando alterações secundárias do mesoderma paraxial, responsável pela formação da coluna vertebral, e originando um espaço interósseo mediano através do qual o endoderma e o intestino primitivo subjacente herniam, aderem ao ectoderma dorsal e eventualmente sofrem ruptura2,9,17. Desta forma, a SNF representaria um extremo do espectro dos cistos neuroentéricos17-18. Há um grande volume de pesquisas sendo desenvolvidas neste momento a respeito do papel do gene Sonic Hedgehog e seus eventuais defeitos na gênese dos disrafismos medulares, que seria capaz de definir uma origem genética para a doença. A maioria dos dados disponíveis se origina de trabalhos experimentais envolvendo modelos murinos manipulados através da administração de adriamicina19-20. Os dados ainda são incipientes, e há pesquisadores que colocam em dúvida o papel essencial deste gene na organização final do processo de fechamento do tubo neural21.

O prognóstico de sobrevida tem sido ruim na literatura, com apenas quatro sobreviventes relatados (Tabela 1). No entanto, muitos trabalhos são antigos, e há uma tendência a resultados melhores com a tecnologia cirúrgica e de terapia intensiva neonatal disponível atualmente. Alguns autores sugerem uma abordagem em dois tempos, corrigindo inicialmente a lesão entérica e, numa segunda abordagem, os disrafismos medulares, a fim de evitar contaminação do procedimento neurocirúrgico com conteúdo entérico, mas até o momento não existe um padrão técnico bem definido para a abordagem desses pacientes. A necessidade pré-operatória de estudos de imagem adequados e detalhados, associando ressonância nuclear magnética e estudo contrastado da fístula, é incontestável, para possibilitar à equipe cirúrgica o planejamento ideal da tática operatória. O tratamento da hidrocefalia, constante nesses pacientes, é evidentemente necessário como medida complementar.

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência Lisieux Eyer de Jesus Rua Presidente Domiciano, 52/801 CEP 24210-270 - Niterói, RJ E-mail: lisieux@uol.com.br

Artigo submetido em 30.07.03, aceito em 30.09.03

Um comentário:

  1. tive um irmão que faleceu de de uma doença rara (pml)sei k se chamava multifulcal progressiva não durou 3 meses,nunca imaginei k houvesse assim doenças tão mortais e sem conhecimento nenhum da realidade...nem estudos existem dessas doenças pergunto ás empresas farmacêuticas pk não fazem estudos afim de desenvolver medicação pra se tentar salvar vidas.....pk nada mais importante que salvar uma pessoa amanha pode ser um familiar nosso.

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