Teleangiectasia Hemorrágica Hereditária (Síndrome de
Rendu-Osler-Weber) consiste de uma rara displasia
fibrovascular sistêmica, de transmissão autossômica dominante,
com incidência de 1-2/100000, afetando vasos
sangüíneos da pele, mucosas, pulmões e trato gastrointestinal.
É reconhecida pela tríade clássica de teleangiectasias em
face, mãos e cavidade oral, epistaxes recorrentes e histórico
familiar. Em 90% dos casos, a epistaxe recorrente é o principal
sintoma, porém a doença pode afetar qualquer parte
do organismo. O tratamento é paliativo, sendo ainda controverso.
Neste estudo relatamos três pacientes portadores
da doença, enfocando aspectos clínicos e tratamento
Teleangiectasia Hemorrágica Hereditária (THH) ou
Síndrome de Rendu-Osler-Weber é uma doença autossômica
dominante com alto grau de penetrância, afetando todas as
raças e apresentando a mesma distribuição entre os sexos. É
uma síndrome rara, com incidência de 1-2/ 100000.1
A lesão inicial baseia-se em deficiência estrutural da
parede dos vasos sangüíneos, caracterizada por alteração da
lâmina elástica e camada muscular, tornando-as mais
vulneráveis a traumatismos e rupturas espontâneas.1,2
Apesar da transmissão autossômica dominante, em
15 a 23% dos casos não há histórico familiar, apenas mutações
esporádicas. Muitos genes foram implicados na patogênese
da doença, sendo dois identificados: Endoglin (9q:33-34),
associado a manifestações no sistema nervoso central (SNC)
e pulmonar; fator de crescimento transformador BII receptor
(3p 32) relacionado com vasos sangüíneos. Os estados
homozigotos parecem ser letais, porém há poucos casos
publicados. Além disso, o cromossomo 12q é associado a
teleangiectasias e epistaxes recorrentes.3,4
As manifestações otorrinolaringológicas são as mais
freqüentes, sendo o principal sintoma epistaxes recorrentes,
presente em 93% dos pacientes.1
A doença pode acometer outras regiões do organismo,
como olhos, pele, pulmões, cérebro, sistema nervoso central,
tratos gastrointestinal e genitourinário. O otorrinolaringologista,
geralmente o primeiro médico a prestar assistência, deve
estar apto a realizar o diagnóstico, para que o tratamento
seja precocemente instituído e as complicações evitadas.1,2
RELATO DE CASOS
D.D., 65 anos, masculino, procurou o Serviço de
Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC com
histórico de epistaxe recorrente há 40 anos. Referia que,
inicialmente, o sangramento apresentava-se em pequena
quantidade, sendo controlado apenas com tamponamentos
nasais anteriores e posteriores. Com o passar do tempo
ocorreu aumento da freqüência e intensidade dos episódios,
sendo necessários outros tipos de terapia, como cauterização
nasal, que pela utilização sucessiva resultou em perfuração
septal.
Há 20 anos apresentou hemangioma em língua e,
após cauterização, cursou apenas com sangramento de leve
intensidade e esporádico. Há 13 anos apresentou episódio
grave de sangramento nasal, com necessidade de internação
e transfusão sangüínea. Há 10 anos foi submetido a cirurgia
nasal com utilização de enxerto de pele (septodermoplastia),
com melhora da sintomatologia. Nos últimos dois anos vem
apresentando recorrência da epistaxe, sendo necessário a
realização de termocoagulação, além dos usuais tamponamentos
nasais. Nega episódios de sangramento em outros
órgãos.
Ao exame físico, presença de teleangiectasias
disseminadas pelo tórax, pontas dos dedos e lábios; a
rinoscopia anterior mostrou perfuração septal e presença
de crostas. O paciente apresentava também hemangiomas
em língua.
Foi encaminhado para a pneumologia e gastroenterologia,
visando avaliar a existência de possíveis
malformações em outros sistemas, e após investigação minuciosa
não foram encontradas alterações até o momento.
Está em acompanhamento com hematologista, para compensação
da anemia.
Atualmente, o paciente é freqüentemente submetido
a tamponamentos anteriores e/ou posteriores em nosso
ambulatório.
Os familiares do paciente compareceram à consulta
a nosso pedido, sendo que o filho, M.D., 38 anos, sexo
masculino, referia episódios de epistaxes recorrentes há 15
anos, controladas facilmente por compressão digital. Ao
exame físico apresentava teleangiectasias em mucosa septal
somente, porém sem pontos sangrantes. O neto, L.S.D., 8
anos, sexo masculino, apresentou apenas um episódio de
epistaxe leve, com fácil controle. Exame físico sem alterações.
Ambos não mostravam outras complicações sistêmicas.
Foram orientados quanto à patologia e possíveis
complicações futuras. Estão em acompanhamento clínico
em nosso serviço, assintomáticos até o momento.
DISCUSSÃO
A Teleangiectasia Hemorrágica Hereditária (THH) é
uma doença autossômica dominante que afeta a parede dos
vasos sangüíneos. Foi descrita pela primeira vez em 1864,
por Sutton.1,5
As manifestações clínicas são secundárias a
sangramentos, podendo afetar qualquer parte do organismo.
O otorrinolaringologista geralmente é o primeiro médico a
ser procurado, pois em 90% dos casos o sintoma mais comum
é a epistaxe recorrente; esse sangramento é secundário a
teleangiectasias, sendo que 50% dos pacientes apresentam
o primeiro episódio por volta dos 10 anos de idade e em 80
a 90% dos casos até os 30 anos.5 Um terço dos pacientes
apresenta epistaxe severa, necessitando de internação e
transfusão sangüínea1, como ocorreu com o paciente do caso
descrito. A severidade da epistaxe é pior com o avanço da
idade, com a gravidez e após a menopausa, devido aos níveis
flutuantes de estrogênio na mucosa nasal. Outros fatores
que influenciam são: puberdade, menstruação, uso de
anticoncepcionais orais, bem como estresse, álcool e mudança
de temperatura.6
O comprometimento mucoso-cutâneo inclui
teleangiectasias maculares de 1 a 3 mm de diâmetro e, em
60% dos pacientes, aparecem 10 a 30 anos após os episódios
de epistaxe. As lesões ocorrem em 71% dos casos nas palmas
das mãos e leitos ungueais, lábios e língua em 66%, e os 20
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a 40% restantes acometem face, extremidades, conjuntiva
e tronco. Raramente levam a sangramento, sendo o
tratamento basicamente estético e realizado com laser. A
teleangiectasia conjuntival da retina ocorre em 45% dos
pacientes, sendo que 16 a 35% apresentam lágrimas com
sangue.5
Manifestações pulmonares da THH incluem
hemoptise, hemotórax, shunting direita-esquerda e embolia
paradoxal. Decorrem de malformações artério-venosas
(MAV) e fístulas, presentes em 5 a 23% dos pacientes. A
embolia paradoxal, encontrada em 40 a 50% dos pacientes,
pode causar acidentes isquêmicos transitórios e vasculares
cerebrais. Em 8% dos pacientes pode ocorrer hemorragia
pulmonar maciça. Outros sintomas incluem hipoxemia,
dispnéia, cianose, policitemia e baqueteamento da falange
distal. O diagnóstico é realizado com tomografia computadorizada
helicoidal de alta resolução e angiografia; o tratamento
inclui ressecção cirúrgica, ligadura arterial e
embolização.
Complicações no sistema nervoso central variam
desde um ataque isquêmico transitório até abscesso ou
sangramento intracraniano. É estimado que 8 a 41% dos
pacientes com THH vão apresentar alguma complicação
neurológica durante a vida. Manifestações clínicas podem
incluir convulsões, cefaléia, coma e graus variados de déficits
neurológicos. Na maioria dos pacientes o diagnóstico é feito
com tomografia computadorizada de alta resolução e
angiografia5,6,7. As opções de tratamento são ressecção
cirúrgica, embolização e radiocirurgia.
No trato gastrointestinal as manifestações incluem
teleangiectasias, malformações arteriovenosas e varicosidades,
podendo levar à hemorragia digestiva alta, disfunção e
encefalopatia hepáticas. O sangramento tende a ser recorrente
e progressivo, e geralmente ocorre após os 40 anos
de idade. Notoya et al. relataram um caso de lesão esplênica
associada a THH8. O diagnóstico pode ser feito por
endoscopia ou angiografia, e o tratamento inclui
estrogenioterapia, laser, cauterização ou ressecção cirúrgica5.
O diagnóstico da THH baseia-se na avaliação clínica
do paciente. Os critérios incluem a tríade clássica de epistaxe,
teleangiectasia e história familiar, no entanto essa tríade não
ocorre na totalidade dos casos. Muitos autores estabelecem
o diagnóstico de THH na presença de pelo menos duas
manifestações da tríade e mais algum envolvimento visceral
bem documentado.2,9
Dentre os diagnósticos diferenciais podemos citar as
epistaxes secundárias a trauma, tumores, coagulopatias e
principalmente aquelas de causa desconhecida.5
O tratamento da THH é paliativo. Não existe consenso
a respeito da melhor opção terapêutica. O objetivo do
tratamento é promover o controle da doença o maior tempo
possível, com o mínimo de intervenções, tentando evitar
seqüelas.10
Alguns episódios de sangramento agudo podem ser
controlados por compressão manual, tamponamento nasal
anterior e/ou posterior, bem como cauterizações. Esta última,
quando utilizada repetidas vezes, pode levar à necrose,
sinéquias e até mesmo perfuração septal1,11, observada no
caso relatado. Os pacientes, com o tempo, aprendem a
prevenir e tratar sua própria epistaxe. Em geral, devem evitar
trauma digital, manter umidificação adequada e estar treinado
a se auto-tamponar num primeiro momento com material
absorvível. Para sangramentos mais intensos, dispõe-se de
embolização e ligadura arterial, que geralmente apresentam
bons resultados a curto prazo. Porém, estes métodos tornamse
inefetivos a partir do momento em que a circulação
colateral se reestabelece na mucosa nasal, o que geralmente
ocorre, pois a doença apresenta caráter persistente. Outras
opções de tratamento incluem o uso do ácido aminocapróico,
terapia estrogênica, fotocoagulação a laser, bem como
braquiterapia intranasal com 192 Ir.10
A terapia estrogênica leva à metaplasia escamosa do
epitélio nasal, o que previne traumas locais e sangramentos,
entretanto apresenta efeitos colaterais, tais como: efeitos
feminilizantes em homens e aumento do risco de câncer
endometrial na pós-menopausa em mulheres.1,2
A cauterização a laser pode substituir a química, e
vem se mostrando efetiva da THH moderada, principalmente
quando combinada a septodermoplastia.1,2
Em epistaxes severas e crônicas são citados a
septodermoplastia, a técnica de Young modificada e retalhos
cutâneos e miocutâneos.
A septodermoplastia é considerada padrão ouro de
tratamento, quando todas as outras formas foram inefetivas.
A técnica consiste em remoção da mucosa do septo nasal,
sendo substituída por um fino enxerto de pele. Esse
procedimento promove melhora temporária dos sintomas,
devido ao reaparecimento de teleangiectasias no próprio
retalho, fato observado no caso clínico descrito. O uso de
membrana amniótica na cirurgia tem mostrado algum
sucesso.1,2,11,12
A técnica de Young modificada tem se mostrado
efetiva. Consiste no fechamento uni ou bilateral da cavidade
nasal, evitando a turbulência e o ressecamento causado pelo
constante fluxo de ar através das teleangiectasias. A
desvantagem é manter uma obstrução nasal permanente.1,2,11
Outro dado importante a ser considerado é o controle
da anemia crônica.
O prognóstico é bom nos casos onde se consegue o
controle dos sangramentos, sendo a mortalidade por
complicações decorrentes da doença reportada em menos
de 10% dos casos.5
COMENTÁRIOS FINAIS
A epistaxe decorrente da Síndrome de Rendu-Osler-
Weber, apesar de rara, deve ser lembrada, principalmente
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se o quadro de sangramentos for repetitivo e severo. O
diagnóstico precoce faz-se necessário, viabilizando a
investigação de malformações pulmonares e do SNC
associadas, prevenindo e evitando conseqüências dramáticas.
Além disso, sendo esta uma síndrome para a qual ainda não
se definiu uma terapia inteiramente satisfatória, é importante
relatar os casos encontrados, com o intuito de comparar as
manifestações clínicas e condutas terapêuticas, em busca
de uma melhor evolução e qualidade de vida para os
pacientes.
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