Pênfigo foliáceo (PF) é uma doença auto-imune caracterizada por bolhas e
erosões na pele e por auto-anticorpos patogênicos, com especificidade para moléculas
da epiderme. Apresenta características epidemiológicas distintas em certas regiões do
Brasil (onde também é conhecido como fogo selvagem) e em outros países da América
do Sul, assim como na Tunísia, entre as quais a mais peculiar é a sua elevada
prevalência. As causas do PF são ainda desconhecidas. Sabe-se que vários fatores
estão envolvidos na sua patogênese, entre eles, fatores genéticos. O presente trabalho
teve por objetivo analisar se variantes de genes de apoptose contribuem para a
susceptibilidade ao PF, uma vez que alterações dos mecanismos da apoptose podem
contribuir para o início de uma doença autoimune, através de falhas na eliminação de
linfócitos autorreativos, ou então durante a fase efetora da doença, através de danos a
tecidos-alvo. O receptor Fas (produto do gene FAS) é um agente indutor da apoptose
ao interagir com seu ligante (FasL). O produto gênico de TP53 tem importante papel
na detecção de danos no material genético e indução da apoptose, caso o reparo desses
danos não seja possível. Já a proteína codificada pelo gene BAX, é uma importante
mediadora da apoptose por promover o aumento da permeabilidade das membranas da
mitocôndria, permitindo a liberação do citocromo C e conseqüente ativação de
caspases efetoras, que levarão à morte celular. Este estudo reuniu um total de 238
pacientes e 358 controles. A maioria dos pacientes foi recrutada em Campo Grande,
MS. As tipagens foram realizadas através das técnicas PCR-RFLP ou PCR-SSOP. Não
foram encontradas associações entre PF e os SNPs FAS –1377(G,A) e –670(G,A),
TP53 12139(G,C) e BAX –248(G,A). As freqüências alélicas dos SNPs analisados
neste estudo foram: BAX -248*A 6,4% e 8,9%; TP53 12139*C 30,7% e 38,0%, em
euro e afro-brasileiros, respectivamente. Para o gene FAS foi analisado apenas o
subgrupo de euro-brasileiros e as freqüências alélicas foram: FAS -1377*A 9,9% e
FAS -670*A 44,9%. Foram realizadas análises de interação entre os SNPs dos genes
BAX, FAS e TP53 e também de cada um desses com os SNPs IL4 -590 e IL6 –174,
além de HLA-DRB1, para os quais já haviam sido encontradas associações positivas ou
negativas, em estudos realizados anteriormente por nosso grupo. As diferenças
significantes entre pacientes e controles deveram-se, exclusivamente, às associações
com variantes dos genes IL4, IL6 e HLA-DRB1, estando em concordância com os
resultados obtidos nos estudos anteriores. Por fim, os resultados deste estudo levam nos a concluir que as variantes genéticas analisadas não alteram a funcionalidade dos
produtos gênicos de forma a interferir no curso da doença
Pênfigo foliáceo endêmico (PFE) é uma doença autoimune caracterizada por
bolhas e erosões na pele, provocadas por auto-anticorpos patogênicos com 2
especificidade para moléculas componentes da epiderme. Apesar de possuir ocorrência
mundial, é encontrada em maior freqüência na América do Sul. Possui alta prevalência
em várias áreas rurais do Brasil, onde casos familiares são mais freqüentes. Acomete
principalmente adultos jovens e crianças. O PFE é uma doença de causa ainda
desconhecida. Sabe-se que vários fatores estão envolvidos na sua patogênese, entre
eles fatores ambientais e genéticos.
Pênfigo foliáceo (PF) é uma dermatose bolhosa autoimune, caracterizada pela
presença de autoanticorpos antiepidérmicos que reconhecem uma glicoproteína
componente do desmossoma conhecida como Dsg1 (JONES e cols., 1984). Sua causa
é ainda desconhecida, sendo encontrado na forma esporádica ou endêmica. A primeira
ocorre na América do Norte, Europa e em áreas não endêmicas da América do Sul. Na
França, a incidência de casos é 1-2 x 10-6 casos por ano, sendo 80% destes pênfigo
vulgar. A proporção sexual de mulheres/homens afetados é 2:1 (BASTUJI-GARIN e
cols., 1995). A forma endêmica é encontrada principalmente na América Latina (Brasil
e Colômbia) e na Tunísia, e aparentemente difere da forma esporádica apenas pelas
suas características epidemiológicas. É interessante notar que as características
epidemiológicas da forma endêmica diferem, entre regiões. Na Tunísia a incidência é
6-7 x 10-6 casos por ano, dos quais 61% são PF. A proporção sexual de
mulheres:homens afetados é 4:1. A incidência de casos entre mulheres de 20-34 anos é
20 x 10-6 / ano (BASTUJI-GARIN e cols., 1995). No Brasil, atualmente, a incidência
de casos é cerca de 25-35 x 10-6 / ano, com proporção sexual de 1:1 (DIAZ e cols.,
1989a).
As formas esporádica e endêmica possuem características clínicas,
histológicas e imunológicas semelhantes. Devido a maior ocorrência de PF na América
do Sul e, sobretudo, no Brasil, durante um certo tempo essa doença foi conhecida
como pênfigo foliáceo sul-americano e pênfigo foliáceo brasileiro. A partir do final da
década de 1980, a doença passou a ser chamada de pênfigo foliáceo endêmico (PFE).
Essa designação reflete com mais precisão sua principal característica diferencial – a
endemicidade (CAMPBELL e cols., 2001). Assim, o PFE é a única doença, das 9
conhecidas atualmente, que possui característica autoimune e, ao mesmo tempo,
endêmica.
Também conhecido como fogo selvagem (FS), no Brasil, o PFE é endêmico
em certos estados do Brasil como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, São Paulo e Paraná, onde mais de 15.000 casos foram registrados até 1982
(DIAZ e cols., 1989a). O primeiro caso documentado de FS no Brasil foi citado por
Aranha Campos. Ele descreveu dois casos de FS que apareceram no interior de São
Paulo na região de Franca na segunda metade do século 19 (HANS-FILHO e cols.,
1999). Com o aumento significativo do número de casos de FS, pacientes não tinham
onde serem hospitalizados. Foram construídos hospitais especializados que se
dedicavam ao estudo e tratamento da doença, nos estados que apresentavam maior
número de pacientes. O primeiro, Hospital Adhemar de Barros, foi inaugurado em
1940. Localizado em São Paulo (SP), dedicava-se especialmente a tratar e reabilitar
pacientes, além de se dedicar à pesquisa da doença. Depois, foi criado o Hospital do
Pênfigo de Goiânia (GO) em 1952, seguido pelo Hospital Adventista do Pênfigo em
Campo Grande (MS) (LOMBARDI e cols., 1992). Este último é o único centro de
referência para o tratamento da doença atualmente, atendendo pacientes de vários
estados brasileiros e de países vizinhos. Os demais hospitais expandiram suas funções
com a diminuição da endemia a partir da década de 70.
O pênfigo foliáceo ocorre em regiões com altitude entre 500 a 800 metros,
sendo extremamente raro nas regiões abaixo de 400 metros ou acima de 1000 metros
(LOMBARDI e cols., 1992). Foi observado que a forma endêmica acomete
principalmente adultos jovens e crianças, de qualquer etnia ou sexo, que vivam ou
trabalhem em áreas rurais endêmicas do Brasil e principalmente, próximas a rios
(CAMPBELL e cols., 2001).
Foi observada prevalência particularmente elevada em algumas tribos
indígenas brasileiras, tais como Xavantes, Terenas, Kadiwéo, entre outras. MORAES e
cols. (1997) encontraram 2,62% de prevalência da doença em uma tribo de índios
Terena no Mato Grosso do Sul. Em Xavantes a prevalência é de 1,4% (HANS-FILHO
e cols., 1996). Estes pacientes indígenas possuíam perfil semelhante ao de outros focos 10
endêmicos, tais como habitações humildes e rústicas, e poucos recursos sócioeconômicos. Porém este quadro encontrava-se agravado pelas características de vida
dos índios, que necessitam do campo para sua subsistência, estando bastante expostos
à incidência de raios ultravioleta (CAMPBELL e cols., 2001).
A partir da segunda metade da década de 1970, ocorreu redução da endemia,
que praticamente desapareceu em focos importantes, como São Paulo e norte do
Paraná. Na região Centro-Oeste ocorreu estabilização em níveis bem menos
significativos. Iniciou-se a fase de declínio da endemia e estabilização de focos que se
estende até hoje. CHIOSSI e cols. (2001) realizaram um levantamento do número de
casos de PFE ocorridos entre 1973 e 1998 na região noroeste do estado de São Paulo, e
verificaram que a incidência da doença é de 9,4 casos por ano, sendo 46,9% dos
indivíduos afetados residentes em áreas rurais. Assim, a história epidemiológica do FS
mostra ascensão seguida de queda da endemia, que segue trajetória coincidente com o
desbravamento e ocupação de regiões do território brasileiro (CAMPBELL e cols.,
2001).
2.4.2 Etiologia
Sua endemicidade tem gerado suspeitas de que algum fator ambiental esteja
contribuindo para a patogênese da doença. As atenções se voltaram para a presença de
mosquitos “borrachudos” nos focos da doença. Estes insetos hematófagos,
pertencentes a família Simuliidae, vêm promovendo discussões desde a década de 40,
de que o fator desencadeante do pênfigo possa ser um vírus ou alguma substancia
salivar do animal, transmitida durante a picada (DIAZ e cols., 1989b; LOMBARDI e
cols., 1992). Um estudo caso-controle epidemiológico comparou um grupo de 52
pacientes com FS com um outro grupo de 52 pacientes portadores de outras
dermatoses, e através de questionários, foi realizado um levantamento dos fatores de
riscos ambientais aos quais estes pacientes foram expostos durante um período de
cinco anos. O único fator de risco que apresentou OR estatisticamente diferente de um
foi a picada de simulídeos (OR= 4,7; P< 0,001) (LOMBARDI e cols., 1992). Um 11
levantamento realizado em 1998, na reserva de Limão Verde (MS) e áreas vizinhas,
caracterizou a distribuição de nove espécies de Simulium em regiões que possuem ou
não focos da doença. Apenas a espécie Simulium nigrimanum apresenta habitat
coincidente com as áreas endêmicas, estando em maior abundância quando comparada
com as outras espécies residentes nessas mesmas áreas (EATON e cols., 1998).
Outros aspectos exógenos, tais como fatores nutricionais e ambientais
propriamente ditos podem estar contribuindo para a etiologia da doença. Foi proposto
que o grupo tiol, presente em alimentos e na água, poderia ser um dos fatores
desencadeante do pênfigo (BRENNER e WOLF, 1994 ; apud PAVONI, 2000). O tiol
pode ser encontrado em alimentos tais como o alho, a cebola e o alho-poró. O fenol,
presente em alimentos como a manga, a castanha de caju, a mandioca e o guaraná,
também foi apontado por TUR e BRENNER (1997, 1998) como candidato a contribuir
para a indução do pênfigo. A análise da água consumida nas regiões endêmicas
indicou a presença de taninos (polifenóis). Quando ocorrem cheias, o tanino das
regiões ribeirinhas estaria sendo lixiviado. BRENNER (1999) propôs que a exposição
combinada a todos esses agentes poderia estar influenciando na indução à doença.
Além das variáveis ambientais descritas acima, vários outros fatores podem
estar envolvidos na patogênese da doença. Nem todos os indivíduos de uma região
endêmica desenvolvem o pênfigo foliáceo, levantando-se a hipótese de que a doença
possa estar relacionada a uma combinação de fatores incomuns, que ainda podem estar
ocorrendo em baixa freqüência no meio. Sugere-se a existência de fatores endógenos,
inclusive genéticos. Sabe-se que o genótipo é importante na susceptibilidade à maioria
das doenças autoimunes. No caso de pênfigo, verifica-se isso através da alta freqüência
de casos da doença entre indivíduos da mesma família que apresentem vínculo
genético entre si.
O FS é provocado por auto-anticorpos específicos para a epiderme,
responsáveis pelo fenômeno de acantólise. No pênfigo foliáceo, a acantólise ocorre nas
células epidérmicas mais superficiais (camada subcórnea), com o envolvimento raro
de mucosas (COUNTER, 1959). A acantólise implica a dissolução ou lise das junções
intercelulares do epitélio escamoso. As células epiteliais, sem as junções que as 12
mantinham unidas, perdem sua forma poliédrica, tornando-se arredondadas. O espaço
formado entre as células provoca a formação de bolhas intraepidérmicas.
O soro de pacientes com pênfigo foliáceo contém auto-anticorpos do tipo
imunoglobulina G (IgG). Podem ser detectados no soro pela técnica da
imunofluorescência indireta (IFI), e seus níveis correlacionam-se com a extensão e
atividade da doença. Estes auto-anticorpos do FS reagem contra uma glicoproteína de
superfície, sintetizada pelos queratinócitos, denominada desmogleína 1 (Dsg1). Esta é
uma glicoproteína transmembrânica, com uma região intracelular e outra extracelular
(Figura 1). Pertence à família das caderinas, tendo importante função no processo de
adesão celular (CAMPBELL e cols., 2001). Indivíduos doentes perdem a tolerância a
esse antígeno epidérmico.
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