Todo fim de tarde, o sueco Per Segerbäck, 54 anos, liga o rádio, movido a baterias velhas, para ouvir a previsão do tempo — algo essencial já que ele mora em uma reserva ecológica e precisa se proteger do frio intenso durante boa parte do ano. Apesar da profissão de engenheiro eletricista, Segerbäck leva uma vida bucólica. Em sua cabana de madeira, a 120 quilômetros da capital Estocolmo, não há microondas, televisão ou celular. Câmera digital não faz parte de seus bens e nem passa por sua cabeça comprar um iPad. Não, Segerbäck não é daquelas pessoas que resistem ou têm horror a novas tecnologias. Na verdade, ele tem alergia a elas. O homem afirma ter reações a ondas eletromagnéticas — emitidas por qualquer equipamento alimentado por energia elétrica. “Ultimamente, não tenho ficado perto nem de relógios de pulso digitais.”
A única saída que encontrou para resolver seu problema, que não é reconhecido pela medicina, foi isolar-se do mundo. Há 11 anos Segerbäck deixou a cidade de Estocolmo e sua carreira na multinacional sueca de telecomunicações Ericsson para viver nessa reserva ambiental. Os lobos, alces e ursos que passeiam por lá não o assustam. “Preocupo-me é com os aviões que, de vez em quando, passam perto daqui, com seus radares potentes”, diz. Ele deu essa entrevista por telefone e trocou 28 e-mails com nossa reportagem para explicar seu problema. Mas os dois aparelhos — telefone e computador — ficam em uma cabana separada, ao lado da casa em que vive. A fonte de energia dos equipamentos, uma bateria de 12 volts, está enterrada a cerca de 27 metros de distância. No terreno, há ainda uma terceira cabana onde ficam a geladeira e o freezer, conectados a uma corrente elétrica que precisa ser desligada quando Segerbäck entra no ambiente. Para iluminar sua casa, ele usa velas e uma lâmpada abastecida por bateria. Se não tomar todos esses cuidados, sente dores de cabeça, tontura e náuseas. Esses são apenas alguns dos sintomas mais leves de que se queixa.
O engenheiro sentiu os primeiros sintomas em 1986. Na época, já trabalhava na Ericsson, onde se ocupou por 20 anos, e vivia uma boa fase profissional. Sua carreira decolou rapidamente quando passou a liderar um grupo de 20 técnicos no projeto Ellemtel, uma divisão temporária da Ericsson que desenvolvia circuitos avançados para sistemas de telecomunicações ainda em fase de testes. Foi quando começaram os sintomas. “Eu sentia picadas de agulha na pele”, afirma. Duas pessoas que faziam parte da mesma equipe mostraram sintomas parecidos, apesar do caso de Segerbäck ter sido o mais grave entre eles.
As náuseas, tonturas, dores de cabeça e queimações na pele vieram três anos mais tarde, quando a equipe de Segerbäck começou a trabalhar com novos computadores e monitores de alta resolução. “Os aparelhos tinham um forte cheiro de produtos químicos”, afirma. Na mesma época, uma antena de telecomunicações foi construída a cerca de 40 metros da janela de seu escritório. Ele acredita que a exposição exagerada à ondas eletromagnéticas, combinada com os materiais tóxicos presentes nas novas máquinas, foram responsáveis pelo desenvolvimento do EHS. “Trabalhávamos cerca de 70 horas por semana. Nossos corpos não tinham tempo para se recuperar desta exposição”, afirma. Ainda assim, nos finais de semana, Segerbäck via os sintomas diminuírem. “Ficou claro que estavam relacionados ao meu trabalho.”
A única saída que encontrou para resolver seu problema, que não é reconhecido pela medicina, foi isolar-se do mundo. Há 11 anos Segerbäck deixou a cidade de Estocolmo e sua carreira na multinacional sueca de telecomunicações Ericsson para viver nessa reserva ambiental. Os lobos, alces e ursos que passeiam por lá não o assustam. “Preocupo-me é com os aviões que, de vez em quando, passam perto daqui, com seus radares potentes”, diz. Ele deu essa entrevista por telefone e trocou 28 e-mails com nossa reportagem para explicar seu problema. Mas os dois aparelhos — telefone e computador — ficam em uma cabana separada, ao lado da casa em que vive. A fonte de energia dos equipamentos, uma bateria de 12 volts, está enterrada a cerca de 27 metros de distância. No terreno, há ainda uma terceira cabana onde ficam a geladeira e o freezer, conectados a uma corrente elétrica que precisa ser desligada quando Segerbäck entra no ambiente. Para iluminar sua casa, ele usa velas e uma lâmpada abastecida por bateria. Se não tomar todos esses cuidados, sente dores de cabeça, tontura e náuseas. Esses são apenas alguns dos sintomas mais leves de que se queixa.
Casa no mato: o engenheiro tem três cabanas no interior. Uma é sua casa, as outras guardam geladeira, freezer, computador e telefone
Crédito: Arquivo Pessoal |
A chamada eletrohipersensibilidade (sigla EHS, em inglês), termo cunhado na Suécia nos anos 80, pode provocar complicações respiratórias, dificuldade para dormir, palpitações, perda de consciência e até de memória, em casos mais graves, como é o desse engenheiro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) não reconhece o problema como uma patologia, no entanto. “O EHS não tem um diagnóstico e ainda não está claro se ele representa um problema médico”, afirma a cientista especialista em radiação, Tahera Emilie van Deventer, chefe de um departamento criado pela OMS em 1996 somente para pesquisar os efeitos de ondas eletromagnéticas na saúde humana. Até agora, não há evidências científicas de que essas ondas causem algum dano direto a um indivíduo — assim como o sinal emitido por celulares.
Ainda assim, a OMS não nega que há pessoas que se sentem mal ao entrar em contato com aparelhos eletrônicos. A teoria, então, recai sobre o chamado efeito nocebo. Trata-se de um distúrbio psicológico em que uma pessoa acredita tanto que algo vai lhe fazer mal, que acaba ficando doente por causa daquilo. Olle Johansson, neurocientista do Instituto Karolinska de Estocolmo, que estuda os efeitos dos campos eletromagnéticos sobre a pele, é contra essa ideia do efeito nocebo. “Já imaginou estar com dor de cabeça e alguém lhe falar que você não sente isso porque não é mensurável? Pessoas como Per Segerbäck sofrem muito com esse ceticismo.”
Ainda assim, a OMS não nega que há pessoas que se sentem mal ao entrar em contato com aparelhos eletrônicos. A teoria, então, recai sobre o chamado efeito nocebo. Trata-se de um distúrbio psicológico em que uma pessoa acredita tanto que algo vai lhe fazer mal, que acaba ficando doente por causa daquilo. Olle Johansson, neurocientista do Instituto Karolinska de Estocolmo, que estuda os efeitos dos campos eletromagnéticos sobre a pele, é contra essa ideia do efeito nocebo. “Já imaginou estar com dor de cabeça e alguém lhe falar que você não sente isso porque não é mensurável? Pessoas como Per Segerbäck sofrem muito com esse ceticismo.”
Prvenção: aparelhos usados por Segerbäck para medir a presença de ondas eletromagnéticas
Crédito: Arquivo Pessoal |
O engenheiro sentiu os primeiros sintomas em 1986. Na época, já trabalhava na Ericsson, onde se ocupou por 20 anos, e vivia uma boa fase profissional. Sua carreira decolou rapidamente quando passou a liderar um grupo de 20 técnicos no projeto Ellemtel, uma divisão temporária da Ericsson que desenvolvia circuitos avançados para sistemas de telecomunicações ainda em fase de testes. Foi quando começaram os sintomas. “Eu sentia picadas de agulha na pele”, afirma. Duas pessoas que faziam parte da mesma equipe mostraram sintomas parecidos, apesar do caso de Segerbäck ter sido o mais grave entre eles.
As náuseas, tonturas, dores de cabeça e queimações na pele vieram três anos mais tarde, quando a equipe de Segerbäck começou a trabalhar com novos computadores e monitores de alta resolução. “Os aparelhos tinham um forte cheiro de produtos químicos”, afirma. Na mesma época, uma antena de telecomunicações foi construída a cerca de 40 metros da janela de seu escritório. Ele acredita que a exposição exagerada à ondas eletromagnéticas, combinada com os materiais tóxicos presentes nas novas máquinas, foram responsáveis pelo desenvolvimento do EHS. “Trabalhávamos cerca de 70 horas por semana. Nossos corpos não tinham tempo para se recuperar desta exposição”, afirma. Ainda assim, nos finais de semana, Segerbäck via os sintomas diminuírem. “Ficou claro que estavam relacionados ao meu trabalho.”
No estilo: Segerbäck exibe o traje resistente a ondas eletromagnéticas que ganhou da Ericsson
Crédito: Arquivo Pessoal |
Em junho de 1993, o jornal sueco TCO Newspaper entrevistou Segerbäck, então com 37 anos. A reportagem afirmava que aproximadamente 50 técnicos que atuavam no projeto Ellemtel da Ericsson apresentavam problemas de saúde relacionados à EHS e que vários haviam pedido demissão por causa disso. A companhia recebeu, então, uma ajuda de US$ 1,25 milhão do governo da Suécia. Único país do mundo a reconhecer que a EHS pode invalidar uma pessoa, a Suécia calcula que cerca de 3% de sua população, ou cerca de 280 mil pessoas, sofra atualmente com o problema. A verba destinada à Ericsson naquela época era para a empresa investigar métodos para ajudar os funcionários eletrohipersensíveis. Enquanto os empregados com EHS mais leve mudaram de computador ou passaram a trabalhar menos tempo na frente de máquinas, um escritório com paredes revestidas de cobre foi criado para blindar as ondas eletromagnéticas e proteger os seis funcionários mais afetados, incluindo Segerbäck. Sua sala, em especial, foi revestida com paredes de aço. O escritório passou a ter uma entrada separada no prédio, para que ele e seus colegas não precisassem caminhar pelos corredores — bastavam dois ou três minutos circulando por eles para a pele de Segerbäck começar a arder como se estivesse sendo queimada por raios de sol.
Não dá para dizer que a Ericsson não tentou. A empresa oferecia um táxi especial para o engenheiro se deslocar. Era um modelo antigo e comprido, para que o passageiro ficasse o mais longe possível da eletricidade gerada pelo motor do carro. Até o taxímetro permanecia desligado. Depois, a companhia modificou um Volvo para Segerbäck. O motor do carro passou a funcionar com injeção mecânica e diesel, sem a presença de qualquer campo elétrico ou magnético. Depois, a companhia instalou uma barraca revestida de alumínio do lado de fora da casa do engenheiro para que ele dormisse melhor. Como não deu certo, em 1991 a Ericsson decidiu revestir a casa inteira do funcionário com proteções de alumínio, que isola as ondas eletromagnéticas. E deu a ele um traje resistente a ondas eletromagnéticas, semelhante ao que trabalhadores usam quando estão próximos de torres de telecomunicação ou linhas de alta voltagem. A intenção era que, vestido assim, ele pudesse circular fora do escritório. Dois anos depois a empresa colocou caixas de metal para proteger a tela do computador de Segerbäck e enterrou a fonte de energia da máquina a nove metros de distância do ambiente.
O engenheiro chegou ainda a trabalhar dentro de um trailer na ilha de Drottningholm, nos arredores de Estocolmo, próximo à residência da monarquia sueca (com a permissão da Coroa) do Natal de 1998 até o verão de 1999. No final daquele ano, foi demitido sob o argumento de que não era mais capaz de exercer seu trabalho. “É nítido que foi algo político, alguém não me queria mais lá e se aproveitou do fato de eu não conseguir provar meu problema”, afirma. Segerbäck processou a companhia na justiça sueca e perdeu. Anos antes, a matéria publicada no TCO Newspaper afirmava que era sabido que a Ericsson havia tentado silenciar de um jeito ou de outro os prejudicados com o problema. A companhia se recusou a comentar o caso, mas reconheceu que a EHS pode afetar as pessoas. Segundo a assessoria de imprensa da Ericsson, não há bases científicas para caracterizá-la como doença, compartilhando da opinião da OMS.
Atualmente, Segerbäck está aposentado. Recebe uma pensão do governo, metade do salário que ganhava na Ericsson. Seus três filhos adultos se revezam nas visitas ao pai na reserva ecológica. A cada dez dias um deles aparece na casa isolada para vê-lo — não sem antes tirar os celulares do bolso e relógios do pulso. “É claro que eu sinto falta de ver mais meus filhos e de ter acompanhado melhor o crescimento deles”, diz Segerbäck. Ao comentar o divórcio com a primeira mulher, que aconteceu na mesma época em que as antenas de celular passaram a invadir Estocolmo, Segerbäck admite que não deve ser fácil viver ao lado de quem sofre de EHS grave. “Sua vida fica limitada. Não há como visitar amigos ou parentes, ir a um bar, cinema ou teatro.”
Talvez essa convivência seja menos complicada para sua segunda esposa, Inger, com quem vive atualmente. Ela, que como Segerbäck é engenheira eletricista, também sofre da mesma síndrome. Os dois se conheceram por causa da Organização de Eletrohipersensíveis da Suécia (FEB), uma das associações mundiais que lutam para que o problema seja reconhecido como doença. Apesar de todas as restrições, Segerbäck se diz um homem feliz. Afinal, tem uma vida tranquila. Mora em uma casa com lareira e fogão a lenha, onde cozinha os alimentos que ele mesmo planta. Quando vai longe, sai no Volvo herdado da Ericsson para buscar correspondências na caixa de correio, a 600 metros de casa. Mas, se tivesse um só desejo, não duvida. “Gostaria que tudo isso terminasse, nem que fosse por alguns minutos”, diz, com voz fraca, baixa e mansa transmitida pelo telefone — cuja caixa está enterrada bem longe dali.
Não dá para dizer que a Ericsson não tentou. A empresa oferecia um táxi especial para o engenheiro se deslocar. Era um modelo antigo e comprido, para que o passageiro ficasse o mais longe possível da eletricidade gerada pelo motor do carro. Até o taxímetro permanecia desligado. Depois, a companhia modificou um Volvo para Segerbäck. O motor do carro passou a funcionar com injeção mecânica e diesel, sem a presença de qualquer campo elétrico ou magnético. Depois, a companhia instalou uma barraca revestida de alumínio do lado de fora da casa do engenheiro para que ele dormisse melhor. Como não deu certo, em 1991 a Ericsson decidiu revestir a casa inteira do funcionário com proteções de alumínio, que isola as ondas eletromagnéticas. E deu a ele um traje resistente a ondas eletromagnéticas, semelhante ao que trabalhadores usam quando estão próximos de torres de telecomunicação ou linhas de alta voltagem. A intenção era que, vestido assim, ele pudesse circular fora do escritório. Dois anos depois a empresa colocou caixas de metal para proteger a tela do computador de Segerbäck e enterrou a fonte de energia da máquina a nove metros de distância do ambiente.
O engenheiro chegou ainda a trabalhar dentro de um trailer na ilha de Drottningholm, nos arredores de Estocolmo, próximo à residência da monarquia sueca (com a permissão da Coroa) do Natal de 1998 até o verão de 1999. No final daquele ano, foi demitido sob o argumento de que não era mais capaz de exercer seu trabalho. “É nítido que foi algo político, alguém não me queria mais lá e se aproveitou do fato de eu não conseguir provar meu problema”, afirma. Segerbäck processou a companhia na justiça sueca e perdeu. Anos antes, a matéria publicada no TCO Newspaper afirmava que era sabido que a Ericsson havia tentado silenciar de um jeito ou de outro os prejudicados com o problema. A companhia se recusou a comentar o caso, mas reconheceu que a EHS pode afetar as pessoas. Segundo a assessoria de imprensa da Ericsson, não há bases científicas para caracterizá-la como doença, compartilhando da opinião da OMS.
Atualmente, Segerbäck está aposentado. Recebe uma pensão do governo, metade do salário que ganhava na Ericsson. Seus três filhos adultos se revezam nas visitas ao pai na reserva ecológica. A cada dez dias um deles aparece na casa isolada para vê-lo — não sem antes tirar os celulares do bolso e relógios do pulso. “É claro que eu sinto falta de ver mais meus filhos e de ter acompanhado melhor o crescimento deles”, diz Segerbäck. Ao comentar o divórcio com a primeira mulher, que aconteceu na mesma época em que as antenas de celular passaram a invadir Estocolmo, Segerbäck admite que não deve ser fácil viver ao lado de quem sofre de EHS grave. “Sua vida fica limitada. Não há como visitar amigos ou parentes, ir a um bar, cinema ou teatro.”
Talvez essa convivência seja menos complicada para sua segunda esposa, Inger, com quem vive atualmente. Ela, que como Segerbäck é engenheira eletricista, também sofre da mesma síndrome. Os dois se conheceram por causa da Organização de Eletrohipersensíveis da Suécia (FEB), uma das associações mundiais que lutam para que o problema seja reconhecido como doença. Apesar de todas as restrições, Segerbäck se diz um homem feliz. Afinal, tem uma vida tranquila. Mora em uma casa com lareira e fogão a lenha, onde cozinha os alimentos que ele mesmo planta. Quando vai longe, sai no Volvo herdado da Ericsson para buscar correspondências na caixa de correio, a 600 metros de casa. Mas, se tivesse um só desejo, não duvida. “Gostaria que tudo isso terminasse, nem que fosse por alguns minutos”, diz, com voz fraca, baixa e mansa transmitida pelo telefone — cuja caixa está enterrada bem longe dali.
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