Acromegalia: Importância do diagnóstico precoce
Publicado na revista Mundo Médico de Março 2007
A ACROMEGALIA É UMA DOENÇA RARA, com uma incidência anual de três a quatro casos por milhão e uma prevalência de 40 a 90 casos por milhão de habitantes. Atinge ambos os sexos, entre os 30 e os 50 anos de idade.
Clinicamente caracteriza-se por um crescimento do esqueleto e dos tecidos moles e por alterações metabólicas.
A acromegalia resulta de uma secreção de somatotrofina (GH). Em mais de 98% dos casos a hipersecreção crónica de GH é produzida por um adenoma somatotrófico benigno da hipófise.
A maioria destes adenomas apresenta um diâmetro superior a 1 cm (macroadenoma).
A GH estimula a produção hepática de IGF1 (insulin-like growth factor-1). A GH produz directamente alguns dos efeitos somáticos e metabólicos da doença; outros são mediados pela IGF1.
Importância do diagnóstico precoce
Devido à indolente, insidiosa e progressiva evolução da acromegalia, o seu diagnóstico é difícil. A suspeita do diagnóstico realiza-se a maioria das vezes pelas alterações somáticas que, por serem lentas a estabelecer-se, atrasam muito o diagnóstico, em média sete a 10 anos.
Cada caso evolui de uma maneira ligeiramente diferente dos outros. A evolução dos sinais somáticos é tão lenta que o doente e a família não se apercebem das modificações no tempo.
Os diagnósticos são tardios, o que faz com que no momento do diagnóstico as lesões sejam graves e irreversíveis.
A morbilidade e mortalidade produzidas pela síndroma metabólica e pelo efeito de massa do adenoma hipofisário diminuem a esperança de vida, sendo a mortalidade três a quatro vezes superior à do indivíduo normal.
Está provado que muitas das alterações metabólicas e do aumento dos tecidos moles podem, em parte, ser revertidas por uma terapêutica precoce; e o doente tratado e livre de doença passará a ter uma esperança de vida sobreponível à de um indivíduo normal. Por estas razões, o diagnóstico precoce é essencial.
Causas da mortalidade na acromegalia
A análise da mortalidade por acromegalia mostra que 60% dos doentes morrem por doença cardiovascular, 25% por doença respiratória e 15% por doença neoplásica.
Recentemente, verificou-se que, independentemente da causa de morte, o mais importante índice preditivo de sobrevivência é o valor da última determinação de GH; seguem-se como factores preditivos de mortalidade a pressão arterial e a existência de doença cardíaca. A normalização dos níveis de IGF1 parece também ser um factor determinante na diminuição da mortalidade.
Assim, o controlo dos níveis elevados de GH e IGF1, da hipertensão e da doença cardíaca é o essencial para se normalizarem os índices de mortalidade.
Dados da acromegalia em Portugal
O Grupo de Estudos dos Tumores da Hipófise (GETH), da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, está a realizar um levantamento dos doentes com acromegalia diagnosticados e seguidos em Portugal. Este estudo preliminar mostrou que 70% dos acromegálicos são do sexo feminino e que a idade, na altura do diagnóstico, variou dos 42 aos 52 anos. Vinte e cinco por cento dos doentes tinham microadenomas (menores de 1 cm) e 75% macroadenomas.
Quadro clínico (Quadro 1)
O quadro clínico inicial da acromegalia inclui aumento das mãos e dos pés, confirmados pelo aumento do número dos anéis e dos sapatos e pela transformação grosseira da face.
As alterações da face, muito características da acromegalia, são: prognatismo, afastamento dos dentes, espessamento dos lábios e da língua, sulcos nasolabiais mais largos e fundos, aumento do nariz, aumento dos pavilhões auriculares e aumento das bossas frontais e arcadas supraciliares. Deve-se comparar o aspecto do doente com fotografias antigas.
Como anteriormente referenciado, o quadro clínico deriva da síndroma metabólica e do efeito de massa do adenoma hipofisário.
O excesso do GH produz visceromegalia generalizada, sendo o bócio e o aumento das glândulas salivares os únicos objectiváveis.
Há hipertensão arterial em 24% dos casos e cardiomegalia em 15% e mais raramente «cardiomiopatia acromegálica» por efeito directo da GH no miocárdio.
A intolerância à glucose é evidente em 50% e a hiperinsulinemia em 70%. Só uma minoria dos casos evolui para diabetes.
A síndroma de apneia do sono é frequente e cerca de 90% dos doentes referem roncopatia.
Quadro 1. Manifestações clínicas da acromegália (%)
Diagnóstico
Após suspeita do diagnóstico de acromegalia, pelo quadro clínico, o médico deve tentar confirmá-lo através de um doseamento de IGF1 e de GH.
O melhor parâmetro diagnóstico da acromegalia é o doseamento da IGF1 (valor elevado para a idade e sexo na acromegalia). O diagnóstico confirma-se pela não supressão da GH (valores superiores a 1 ng/dl) na prova de tolerância à glucose (75 g).
Seguimento
Após confirmação do diagnóstico, o doente deve ser enviado para tratamento a um Centro de Endocrinologia.
Conclusão
O diagnóstico da acromegalia é difícil, devido ao lento e insidioso desenvolvimento no tempo do quadro clínico somático. O diagnóstico, na grande maioria dos casos, só se realiza sete a 10 anos após o início dos sintomas e sinais. Só a terapêutica precoce consegue reverter parte do quadro clínico e contribuir para uma diminuição da mortalidade.
O clínico tem de conhecer bem o quadro da acromegalia para poder suspeitar da doença e realizar o diagnóstico o mais precoce possível.
É importante que o médico de medicina familiar esteja alertado para esta doença rara, mas devastadora, pois ele é o primeiro a estar em contacto com os doentes.
Pelo Prof. Dr. A Galvão Teles *
* Nedo – Núcleo de Endocrinologia, Diabetes e Obesidade, Lisboa.
Centro de Endocrinologia e Alimentação, Hospital da CUF, Infante Santo. Lisboa
Leitura recomendada
Aron DC, Findling J W, Tyrrell J B. Hypothalamus and Pituitary Gland. In Greenspan’s. Basic and Clinical Endocrinology. Ed. David Gardner, Dolores Shoback. Eighth Edition. McGrowHill. Pg 101-156.2007.
Melmed, Shlomo. Acromegaly. New Engl J Med. 2006;355:2558-73.
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