PARCERIAS

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Síndrome de Frey


A síndrome de Frey se manisfesta na região parotídea masseterina, zigomática e, às vezes, na região cervical e temporal, através de hiperidrose e hiperemia local, durante a mastigação dos alimentos(2-7,9,13,16,22).

Laage & Hellman(22) denominavam-na síndrome da sudorese gustatória e estabeleceram, indiretamente, que o tempo de aparecimento da síndrome ocorria entre cinco semanas e um ano após a cirurgia ou trauma.

A síndrome também é conhecida como síndrome do nervo aurículo-temporal(12) e, também, pode ser desencadeada por trauma local, distúrbios centrais e doenças sistêmicas(1,19).

Nem todos os pacientes que se submetem à cirurgia da glândula parótida desenvolvem a síndrome clinicamente. A incidência da síndrome é variável, quando o critério de avaliação é apenas a anamnese e a semiótica. A queixa ocorre de maneira incomoda em apenas 10%-15% dos casos(13), porém 50%-60% dos indivíduos a mencionam quando questionados(6,7,25).

A hiperemia cutânea e a hiperidrose podem ocorrer em outras regiões anatômicas e seriam variações dessa afecção, mas por outras vias nervosas. A síndrome das "lágrimas de crocodilo", lacrimejamento após paralisia facial tipo Bell(28); rinorréia(4,31); sudorese após drenagem de abscessos submandibulares, esvaziamentos cervicais, submandibulectomias(6,19), distúrbios do sistema nervoso central(7,19,25,27). A lesão dos gânglios simpáticos cervicais e dos primeiros dorsais apresentam quadro similar, mas com distribuição extensa da sudorese e hiperemia para o pescoço ombros e membros superiores, além de associar-se, às vezes, a horripilação cutânea (Goose-Skin)(8).



Histórico

A primeira referência na literatura médica, sobre a síndrome de Frey coube a um médico francês, Duphenix, em 1757, que tratou de um indivíduo ferido por um projetil de arma de fogo na região mandibular. O caso evoluiu com infecção local, abscesso e fístula. Esse médico, na sua descrição minuciosa, sita a sudorese e a hiperemia, ao redor da fístula, mas ambas como conseqüência da mesma, ao redor de uma prótese de oclusão por ele inventada.

Baillargar, em 1853, interpretou a síndrome como sendo ocasionada por obstrução do ducto de Stenon*, na descrição de um caso de parotidite bilateral não drenada (apud Hays(16)).

Em 1923, Lucja Frey, médica polonesa, neurologista, descreveu a síndrome, atribuindo à lesão do nervo aurículo-temporal(12). Na literatura médica, os poucos autores que citam a sua nacionalidade, creditam-na como francesa, grafando seu nome Mme. Lucie Frey, forma com a qual publicou o artigo na "Revue Neurologique", conforme Figura 1(12). Ela nasceu, viveu e morreu (1889-1943) em Lwâw, cidade situada no Leste da Polônia, após a "Grande Guerra". Essa região, antes da I Guerra Mundial chegou a pertencer à Alemanha e posteriormente veio a pertencer à Polônia. Após a II Guerra foi ocupada pela União Soviética e, com a dissolução das suas Repúblicas, a partir de 1992, encontra-se na Ucrânia(2).

A maioria dos relatos apresentam como causa dessa síndrome os traumas e os abscessos após doenças septicêmicas, sendo a mais comum a febre tifóide. Isso é notado, nitidamente, na literatura médica anterior a década de 30. Com o advento das sulfas e antibióticos a cirurgia e os traumas passam a ser citados com maior freqüência(11,12,21).



Anatomia

A sudorese e hiperemia que se estabelecem na síndrome do nervo aurículo-temporal seria uma disfunção, resultante da regeneração inapropriada das fibras parassimpáticas do nervo aurículo-temporal em direção às glândulas sudoríparas(7,11,13,16,18,33).

Na salivação normal ao vermos o alimento, as fibras aferentes caminham em direção ao núcleo do trato solitário que mantém comunicação com o núcleo salivatório superior e inferior, como mostra a Figura 2. A glândula parótida recebe fibras parassimpáticas provenientes do núcleo salivatório inferior e a glândula submandibular do núcleo salivatório superior. Os ácinos glandulares apresentam receptores colinérgicos para os estímulos parassimpáticos e a-b-adrenérgicos para os estímulos vindos do sistema nervoso simpático. O sistema simpático, no ácino glandular, quando estimulado, libera maior quantidade de proteína, eletrólitos, além de fazer com que a célula mioepitelial contraia-se(34). O sistema parassimpático, que se dirige para a glândula parótida, caminha junto ao nervo glossofaríngeo, abandonando-o ao chegar no gânglio superior (gânglio petroso). Passa, então, pelo nervo timpânico e, no ouvido médio, forma o plexo timpânico (nervo de Jacobson) e segue através do nervo petroso superficial menor superior até o gânglio óptico. Neste local, essas fibras parassimpáticas,pré-sinápticas, passam os estímulos para outras fibras, parassimpáticas pós-sinápticas, que por sua vez chegam aos ácinos parotídeos, através do nervo aurículo-temporal, ramo do nervo mandibular,situado medialmente ao pólo superior da glândula parótida(18). O gânglio óptico está situado logo abaixo do forame oval, entre o nervo mandibular inferior e o músculo tensor do palato mole (Figura 3). A raiz simpática do gânglio óptico procede do plexo meníngeo médio, via carótida interna, e pode manter comunicações com a corda do tímpano, nervo vidiano e o nervo pterigóidio interno. Já o núcleo salivatório superior origina as fibras parassimpáticas para as glândulas: submandibular, sublingual, lacrimal e pequenas glândulas salivares distribuídas pela faringe e fossa nasal.



As fibras simpáticas enervam as glândulas sudoríparas e vasos sangüíneo e apresentam uma sensibilidade à acetilcolina após a denervação(10).

Algumas experiências vêm a favor dessa teoria. Haxtom (1948) acreditava que a sudorese gustatória, após simpatectomia torácica era devido a uma hipersensibilidade pós-denervação(1). Freedberg, Shaw & Mc Manos (1948) também comprovaram que os pacientes com o nervo aurículo-temporal lesado apresentavam hipersensibilidade a acetilcolina(10).

Ashby (1960)(1) injetou acetilcolina, intravenosa, em dois pacientes submetidos a gangliectomia torácica e observou sudorese facial bilateral.

A teoria fisiopatológica, aceita atualmente e que melhor explica a síndrome de Frey, foi descrita inicialmente por Ford & Woodhall (1938)(11) e se baseia na regeneração inadequada das fibras pós-ganglionares parassimpáticas para os receptores das glândulas sudoríparas e vasos sangüíneos da pele. Lembramos que a sudorese e a hiperemia podem estar associadas a alterações pilomotoras e sensação local de queimação. Além disso essa sintomatologia pode ocorrer em outras circunstâncias em que a etiologia não seja, necessariamente, a lesão mecânica do nervo aurículo-temporal.

A fisiopatologia da síndrome de Frey, em termos científicos, ainda é uma teoria. Basicamente encontramos quatro teorias para a sua explicação: irritação do nervo aurículo-temporal(3,12); hipersensibilidade, pós-denervação das glândulas sudoríparas, aos impulsos motores centrais(3,10); excitação transaxônica(3) regeneração aberrante das fibras parassimpáticas pós-sinápticas(11,22).



Diagnóstico

Além do diagnóstico clínico já exposto, temos o teste de Minor (1928)(7,16). O teste, originalmente, consistia em aplicar uma solução preparada com:

Iodo 3 g

"Castor oil" 20 g

Álcool absoluto 177 g

Atualmente, substituiu-se, na mesma proporção, o "castor oil" por óleo de rícino. Aplica-se esta solução, bilateralmente de modo que o lado não afetado pela síndrome sirva de controle. A área abrangida deve incluir a região do pescoço, da parótida, a temporal não pilosa e a orelha (Figura 4a). Após a secagem da solução de iodo, polvilha-se toda a região com uma fina camada de pó de amido (maisena) (Figura 4b). O paciente é instruído a chupar limão durante três minutos. O aparecimento de áreas puntiformes, de coloração violácea, informa que as glândulas sudoríparas se encontram ativas no local (Figura 4c). O lado comprometido apresentará diferentes intensidades de reação. Esse teste, nos pacientes submetidos a parotidectomia, costuma apresentar-se positivo, com intensidades variáveis, em 100% dos casos(7).




Tratamento

Podemos dividir a terapêutica, basicamente em:

- Invasiva;

- Não invasiva.

A base terapêutica consiste em destruir ou inibir a secreção das glândulas sudoríparas. Após a descrição da síndrome, a primeira tentativa para solucioná-la foi preconizada pela própria dra. L. Frey que acreditava que a infiltração de álcool ou a secção do nervo aurículo-temporal poderia beneficiar os seus portadores. A injeção com álcool leva a uma anestesia do nervo mandibular que pode perdurar por alguns meses e ser mais desconfortável que a própria síndrome. Needles (1936)(25) preconizava a destruição das glândulas sudoríparas por irradiação. A dose requerida era de 5000 cGy. O método realmente destrói as glândulas sudoríparas, mas foi abandonado por estar, às vezes, associado a efeitos indesejáveis como:

- Radiodermite;

- Cáries de radiação;

- Radiomucite;

- Osteorradionecrose.

Outros autores, como Languyeskiöld (1946)(23), simplesmente preconizava a excisão da pele que se apresenta a síndrome, seguida de sutura dos bordos remanescentes, rotação de retalhos ou enxertia.

A secção do nervo glossofaríngeo foi proposta por Gardner & McCubbin (1956)(13), embora eficaz, foi abandonada pela morbidade inerente ao método que previa craniotomia. Entre os autores que defendiam a teoria da inibição da secreção das glândulas sudoríparas, havia os que se utilizavam de métodos invasivos, cirúrgicos, e métodos não invasivos, farmacológicos.

Quanto aos procedimentos cirúrgicos temos:

1. Secção dos ramos aberrantes do nervo aurículo-temporal (Coldwater, 1954)(5). Tecnicamente a cirurgia é difícil, pois existe, geralmente, muita fibrose e, por isso, a identificação do nervo e de seus ramos fica prejudicada. Além disso, há a possibilidade de lesão do nervo facial(8,22,34);

2. Exploração cirúrgica do gânglio óptico, de difícil execução, pois esse gânglio se localiza na base do crânio;

3. Secção do nervo glossofaríngeo(13). Obedece as mesmas razões acima citadas;

4. Neurectomia timpânica (Hemenway-1960)(18,29). Foi realizada pela primeira vez por Julius Lempert para os casos de "tinitus", em 1946(18). Dos métodos invasivos é o que apresentou melhores resultados e poucas complicações(18);

5. Interposição de fáscia lata (Wallis., 1978)(35);

6. Interposição de músculo (Kohnblut et al., 1974)(15);

7. Dura-máter liofilizada(Okamura et al., 1982)(15);

8. S.M.A.S.(Bonanno et al., 1992)(15).

A técnica cirúrgica da neurectomia timpânica consiste em seccionar o plexo timpânico, mais especificamente o nervo de Jacobson. Após incisão transmeatal para o acesso ao ouvido médio, procede-se a destruição do nervo, por corrente farádica ou secção mecânica, na sua entrada para o hipotímpano, conforme podemos observar na Figura 5. Acontece que não é apenas por esse nervo que caminham as fibras parassimpáticas e a sua secção, às vezes, não é completa, pois em alguns casos existem ramos, além do hipotímpano, inatingíveis cirurgicamente.

Acontece que não é apenas por esse nervo que caminham as fibras pré-ganglionares parassimpáticas para a glândula parótida, elas caminham também junto ao nervo facial(14,30). A abordagem dessas fibras é impraticável, pois implica em assumir uma morbidade desnecessária, pela possibilidade de lesão das fibras do nervo facial.

A secção da corda do tímpano do plexo timpânico acabará com a hiperidrose e a hiperemia local, mas acarretará, por outro lado, denervação completa de todo tecido salivar do lado da face em que tal procedimento foi executado(30). Talvez a sensação de boca seca seja um sintoma pior que o anterior, para certos indivíduos. Hays (1978)(16) relata que em 73 pacientes submetidos a neurectomia timpânica: 56% de resultados excelentes; 26% de resultados satisfatórios; 18% de resultados nulos.

Quanto aos métodos farmacológicos, não invasivos, temos:

A infiltração de drogas anticolinérgicas (escopolamina 2%-3%)(18), glicopirrolato aquoso ou na forma de creme(16), diminuem a intensidade da síndrome sem contudo aboli-la. Além disso, são drogas contra-indicadas nos casos de glaucoma de ângulo fechado. Apresentam, freqüentemente, interações com outros medicamentos, além da sensação de vista turva, boca seca e retenção urinária, em graus variáveis(5,18). Outra droga tópica é o cloreto de alumínio(34).

A partir de 1993, Drodik & Laskaw(7) começaram a injetar toxina botulínica, tipo A, (BotoxÒ) no subcutâneo de um indivíduo com síndrome de Frey. A área foi delimitada com o teste de Minor, conforme observamos na Figura 4d, e as injeções preparadas e aplicadas com agulha de insulina na dose total de 32U (0.1 ml/0.5U/cm2). Seis dias após o teste de Minor foi repetido e a sintomatologia desapareceu. Esse efeito persistiu por doze meses e estimulou os autores iniciarem um estudo prospectivo randomizado(7).

O modo de ação da toxina botulínica, do tipo A, nas terminações nervosas se faz por bloqueio químico, causando uma denervação química em nível das terminações colinérgicas. Essa substância age apenas nas junções neuromusculares, ocasionando um relaxamento muscular. Isso não ocorre na região parotídea, pois a musculatura massetérica é protegida por um sistema aponevrótico espesso(7,31).

Acreditamos que até o presente, dos tratamentos não cirúrgicos, a toxina botulínica é o que promete melhores resultados. Iniciamos em 1996 a aplicação da droga nos indivíduos submetidos a parotidectomia superficial, no período compreendido entre 1990 e 1995 e que apresentam sintomatologia significativa. O resultado desse estudo será apresentado,tão logo seja concluído.





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