PARCERIAS

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Niemann-pick Este artigo foi originalmente publicado no número de Janeiro de 2011 do boletim informativo da EURORDIS.

Viver um dia de cada vez




Era o dia de aniversário de Alberto Vargas quando recebeu notícias concretas de que a sua filha Valéria tinha a doença de Niemann-Pick. A sua filha do meio, Fernanda, já tinha morrido desta doença degenerativa incurável.



«Fiquei destroçado. A minha mulher foi para o quarto e chorou durante quatro dias. Por fim, eu disse-lhe: “Vais ficar aí a chorar ou vamos seguir em frente juntos?” Ela respondeu-me: “Tu não compreendes”, e eu disse-lhe: “Claro que compreendo mas, se vamos ficar os dois aqui a chorar, quem é que vai tomar conta da nossa menina?”»



Por isso, seguiram em frente, como sempre tinham feito. Poucos dias depois de ter sido diagnosticada a doença de Niemann-Pick (NP) a Fernanda, a família Vargas tinha ido à Disneyland, uma viagem planeada desde há bastante tempo. «Fer andou em todas as atracções e divertiu-se imenso, apesar de ela própria ter dito que em breve nos deixaria», recorda Alberto.



Em 2007, quando já não conseguia andar, Valéria, então com 11 anos, participou nos Jogos Paraolímpicos de Xangai e ganhou 2 medalhas de ouro na natação. «Treinámo-la para uma prova assistida de 15 metros (com flutuadores), mas os chineses disseram que tinha de ser de 25 metros e sem flutuadores. Na primeira prova, afundou-se quando chegou à marca dos 15 metros, mas voltou a pôr a cabeça fora de água, sorriu e nadou até ao fim», conta o pai com orgulho.



Fernanda, então com 14 anos, também estava radiante. «Ela já não conseguia falar, mas o sorriso dela disse-nos que estava contente», recorda Alberto. «Morreu 10 dias depois, feliz e com esperança de um dia nos encontrar no Céu.»



NP não é uma doença, mas um agregado de perturbações metabólicas hereditárias raras que provocam a acumulação de lípidos no fígado, no baço, nos pulmões, no cérebro e no sistema nervoso central. Estes órgãos deterioram-se ao ponto de a pessoa afectada – com frequência uma criança – deixar de conseguir andar, falar ou comer. É incurável.



NP tipos A e B são causadas por uma deficiência enzimática. A NP tipo A afecta recém-nascidos e provoca problemas neurológicos de tal modo graves que a maioria morre por volta dos 3 anos. No outro extremo do espectro, a NP tipo B não provoca danos cerebrais e pode não aparecer antes da idade adulta. Os doentes podem viver vidas relativamente normais.



Fernanda e Valéria tinham NP tipo C. A causa desta doença genética complexa é pouco clara – embora o gene tenha sido identificado, o mecanismo patológico não está esclarecido –; contudo, o resultado final é o mesmo: uma acumulação fatal de lípidos que matam as células do organismo. Surge frequentemente em crianças em idade escolar e é conhecida por “Alzheimer infantil” porque causa demência.



Por afectar muitos órgãos e por os seus sintomas se desenvolverem lentamente, a NP tipo C pode ser incorrectamente diagnosticada durante meses, se não mesmo anos. Quando Samuel, o filho de Isabel Hontanilla, tinha 3 anos, ela notou que o baço estava inchado e começou a fazer perguntas. Aos 8 anos, começou a ficar desajeitado, a falar por monossílabos e a ter problemas com a leitura. «Os médicos disseram que era uma dificuldade de aprendizagem, a seguir era dislexia e a seguir outras coisas… Só quando ele tinha 11 anos é que chegaram à Niemann-Pick», conta Isabel.



Para Toni Mathieson, o diagnóstico incorrecto foi traumático. Quando a sua filha recém-nascida, Lucy, começou a inchar, o primeiro médico descartou os sintomas dizendo que eram “apenas gases”. A seguir, um outro confundiu a doença com a NP tipo A e disse a Toni: «Leve-a para ela morrer em casa.»



Na verdade, Lucy tinha NP tipo C e viveu até aos 4 anos e meio.



Isabel e Toni dirigem agora os grupos de apoio da Niemann-Pick, respectivamente, em Espanha (Fundación Niemann-Pick) e no Reino Unido (Niemann-Pick Disease Group). Um dos objectivos destes grupos é promover a sensibilização entre os médicos para uma doença de que a maioria deles nunca ouviu fala para que, assim, a possam diagnosticar mais cedo e possam pôr as famílias em contacto com os grupos de apoio para que as possam ajudar.



«O diagnóstico é arrasador, mas não saber o que está mal ainda é pior», refere Isabel. «Ainda que o nosso mundo se desmorone quando ficamos a saber ajuda bastante falar com alguém que já passou por isso. Ficamos a saber que não estamos sozinhos. E aí podemos começar a perceber a doença e a aceitar e a ter consciência de que há medicamentos de terapia avançada coisa que podemos fazer por estas crianças.»



Os grupos de apoio também aliviam o fardo das famílias afectadas ao ajudá-las a ter acesso a ajuda financeira e a equipamento como cadeiras de rodas, ao organizar testes genéticos para familiares que podem ser portadores de NP e ao ajudar as famílias a responder às necessidades das outras crianças da família, que tiveram de passar para segundo plano por causa desta doença esgotante.



Apesar de ainda não haver cura para a NP, a investigação sobre esta “doença de armazenamento lisossómico” está a avançar, graças em grande medida aos esforços de angariação de fundos de grupos de apoio como estes de Espanha e do Reino Unido.



Infelizmente, a NP tipo A é tão rápida e agressiva que não há tratamento. No entanto, a terapia de substituição enzimática e os transplantes de medula óssea e de fígado podem ser eficazes no adiamento do aparecimento da NP tipo B. Em 2001, um medicamento para a NP tipo B recebeu a designação como medicamento órfão na UE.



No caso da NP tipo C, existem várias formas potenciais de abrandar os sintomas físicos e de melhorar a qualidade de vida do doente, ainda que possam não evitar os problemas neurológicos. A chamada terapia de redução do substrato com recurso ao medicamento Miglustat é o tratamento mais prometedor e mais usado até agora e já foi aprovado nos EUA e na Europa. Está também a decorrer investigação com a ciclodextrina, que, tal como o Miglustat, reduz a quantidade de colesterol que se acumula nas células do organismo, e com a N-acetilcisteína (NAC), que pode ajudar a detectar a presença da doença.



No entanto, com a esperança de uma cura ainda a alguns anos de se tornar realidade, Toni, Isabel e Alberto sabem apreciar o que cada dia lhes traz. «Todos nós adiamos coisas para amanhã e não gozamos ao máximo aquilo que temos», refere Isabel. «Mas com esta doença aprendemos a viver o momento.»



Ainda que nem um nem outro consiga andar ou falar, Samuel, agora com 20 anos, gosta de andar na universidade e Valéria, com 15 anos, é a chefe da claque do clube de natação para pessoas com deficiência que o pai dela dirige na Costa Rica. «Eu costumava dizer sempre à Fernanda: “Levanta bem a cabeça”», recorda Alberto. «“Amanhã vai ser melhor do que hoje”»





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